V Fórum Nacional de Pessoas em Situação de Pobreza ou Exclusão Social

“O que é ter uma vida digna?” — é a pergunta que é lançada. À volta da mesa redonda há vários desempregados, beneficiários do rendimento social de inserção (RSI) e de outras prestações sociais. Um deles, quando se apresenta, declara, sem rodeios: “Acho que tenho alguma experiência do que é a pobreza.” Depois, começam a responder à pergunta do moderador, um após o outro. “Ir pedir ao Banco Alimentar não é ter uma vida digna. É uma solução de emergência, não dá dignidade”, diz um dos participantes. O V Fórum Nacional de Pessoas em Situação de Pobreza ou Exclusão Social começou ontem, na Costa da Caparica, com 80 pessoas de vários pontos do país. O debate sobre o que é uma vida digna é apenas um dos previstos. “Um exemplo de dignidade: vi uma reportagem que mostrava como se deu a oportunidade a dois sem-abrigo, no Porto, de se tornarem guias turísticos na cidade. Começaram a trabalhar. Isso é dar dignidade”, diz uma beneficiária do RSI. “Desculpe, emprego não chega. Há quem trabalhe e não receba o sufi ciente para ter uma vida digna”, contrapõe outra.
“Se uma pessoa não pode comprar um jornal, ou se vai com o filho pela mão e ele lhe pede um bolo e não pode, se nunca pode, isso não é ter uma vida digna”, afirma outra ainda.
“Eu, quando vou ao supermercado, vou para comprar o essencial. Nem olho para o lado, não olho para as prateleiras…” Para o arranque do encontro promovido pela EAPN Portugal/Rede Europeia Anti-Pobreza, que termina hoje, chegou a estar prevista a presença do ministro do Emprego e da Segurança Social. O ministro tinha outros compromissos. E a falta de representantes do executivo não passou despercebida. “Sabemos que eles não querem ouvir, muito menos os pobres. Mas sempre me habituei a trabalhar com valores e não com espectadores”, dizia o padre Jardim Moreira, presidente da EAPN Portugal, pouco antes de dar início aos trabalhos.
“As políticas são todas definidas do topo para a base, com os iluminados na secretaria e no Parlamento a decidirem em função das conveniências dos lobbies que existem. É triste, mas é assim. A democracia participativa praticamente não existe no país e os pobres, que são pelo menos dois milhões, não são ouvidos”, diz Jardim Moreira. “Há uma atitude paternalista dominadora, decide-se, de forma assistencialista, pelos pobres.” O responsável não se alonga em comentários a algumas das medidas que marcam a actualidade: redução de salários na função pública e cortes nas pensões mais elevadas de sobrevivência. Considera que revelam “uma falta de projecto, de estratégia”, que limitam a obedecer à lógica do “corta aqui, corta acolá” — “Vão buscar aos que menos berram.” “Há dois anos recebia 414 euros de rendimento social de inserção. Agora recebo 160 euros. Para mim e para os meus dois filhos, um de 20 e outro de 9. Isto não são cortes, é má- -fé”, dizia Ana, uma desempregada de 42 anos.
Há mais de uma década que, anualmente, a Comissão Europeia com a EAPN Europa organizam um fórum europeu que junta pobres dos 27 Estados-membros. Geralmente vão sempre alguns participantes do fórum português. Mas Sérgio Aires, presidente da EAPN Europa, informou ontem a assistência de que estes encontros europeus poderão não voltar a acontecer, por falta de apoio da Comissão. Já pediu explicações a Durão Barroso, mas continua sem resposta. “Não temos o mais pequeno esboço do que vai acontecer”, disse, isto numa altura em que, lembra, há 120 milhões de pobres na União Europeia, mais 4 milhões do que em 2011. E em que se aposta numa austeridade que, sustenta, “está a matar pessoas”.
Jardim Moreira, presidente da Rede Anti-Pobreza Portugal, disse ontem que o Governo não quer ouvir ninguém e decide sem estratégia. Fórum nacional junta dezenas pessoas em situação de pobreza Pobreza Andreia Sanches Quinta, dia pela erradicação da pobreza Tecnicamente, é-se pobre com menos de 416€ É preciso “uma estratégia nacional de luta contra a pobreza e exclusão social” que deve “ser parte integrante do próximo Quadro Comunitário de Apoio (2014-2020)” e que tem de incorporar “a voz daqueles que mais directamente experienciam estes fenómenos”. Mas é preciso também “reforçar o papel do Estado como provedor do bem comum e da inclusão” e “combater o desemprego” . O repto será lançado pela EAPN, numa mensagem que será divulgada no Parlamento na quinta-feira, quando se assinala o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. A data é assinalada em vários pontos do país, com várias iniciativas. Em Portugal, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (de 2011), 17,9% da população vive com rendimentos abaixo da linha de pobreza relativa, o equivalente a 416 euros mensais. Entre a população empregada a taxa de pobreza é de 9,8%, entre os desempregados de 38,3% e entre os reformados e outros inactivos de 15,8% e 29,2%, respectivamente.