Todos os dias há trinta famílias que são declaradas falidas

Aos 53 anos, Rui Alves encontra- se numa situação desesperada. Desde 2009, quando regressou com a mulher do Brasil, onde perdeu praticamente tudo, está desempregado. O casal sem rendimentos tem uma renda de casa de 800 euros para pagar todos os meses, um seguro de saúde e a alimentação. “Aquilo que temos já só vai dar para dois meses e, a partir daí, as dívidas vão crescer. Não sei o que fazer, talvez vá pedir moedas para Santa Apolónia.”
Esta família sem filhos poderá vir a engrossar as estatísticas das insolvências. Segundo dados da Direção- Geral da Política de Justiça – relativos ao primeiro semestre deste ano – já são 30 as famílias que, a cada dia que passa, são declaradas insolventes pelos tribunais de primeira instância. Nos seis primeiros meses do ano, foram declaradas judicialmente 8380 insolvências e falências. Destas, 64% foram de pessoas singulares e não de empresas que, até 2010, estavam em maioria. Basta ver que, em 2007, eram apenas 19% os casos que se reportavam a singulares, de um total de 649.
Nuno Líbano Monteiro, advogado da PLMJ, especialista em insolvências, defende que, “nos últimos quatro anos, os casos subiram em flecha e esta figura judicial também deixou de ter o estigma social que tinha”. Isto porque “os particulares passaram a ver esta solução como a resposta a dar às ações dos credores para cobrança de dívidas”.
Rui Alves admite que “o saco está a chegar ao fundo”. Durante 20 anos, até aos 40, dedicou- se ao ramo comercial, mas quando resolveu ir para o Brasil à procura de novas oportunidades, em 2000, as coisas correram mal. “Vi- me obrigado a regressar em 2009 e, desde então, percebi que ninguém emprega alguém com mais de 50 anos”. Por agora, o casal que em tempos pertenceu à “média burguesia” de Cascais, tem sobrevivido à custa do que ainda sobra do património imobiliário extenso que tinha e que foi obrigado a vender. Atualmente, marido e mulher oferecem os seus serviços como “caseiros: educados, cultos e polivalentes”, num anúncio publicado esta semana na imprensa. “Pré- falidos mas sem dívidas, elegantes e com muito boa presença, procuramos trabalho com alojamento. Temos bons conhecimentos de cozinha, carta de marinheiro e a senhora pode ajudar com crianças”, pode ler- se no anúncio.
A crise, o desemprego ou os cortes salariais são as causas destes números que, nos últimos 24 meses, não param de aumentar nos tribunais portugueses. De janeiro a março deste ano, foram 2572 as famílias que ficaram insolventes, e de abril a junho já foram 2792 casos. No segundo trimestre do ano passado foram 2259. Em 2007, foram apenas 123 os processos judiciais de insolvência que envolveram famílias e não empresas.
O advogado Líbano Monteiro acrescenta ainda que “o incumprimento maciço dos contratos de financiamento é a principal causa de toda esta situação”, explica o advogado. “Ainda mais com o aumento da carga fiscal e com ordenados mais baixos.”
No ano passado, a Deco recebeu 1136 pedidos de informação no Gabinete de Apoio ao Sobre- endividado. “Estes números aumentam de ano para ano e a maioria são casos de casais em que um ou ambos estão desempregados”, explica Natália Nunes, jurista na associação. Estes casais têm, em média, 40 anos e filhos.