Todos os dias 30 pessoas são declaradas falidas em Portugal

Perderam o emprego.  Investiram num negócio que correu mal. Entraram numa espiral desenfreada de consumo, acumulando créditos sobre créditos. Ou simplesmente adoeceram.
Seja qual for o motivo, há cada vez mais famílias cercadas por dívidas em Portugal. No primeiro trimestre
deste ano, os tribunais declararam 30 pessoas insolventes por dia, o que signifi cou uma subida de 140% face aos primeiros três meses de 2011.
Entre Janeiro e Março deste ano, contabilizaram-se 2753 falências judiciais de pessoas singulares – um
mecanismo criado em 2004, mas que só começou a ganhar corpo nos últimos anos. A crise que o país
atravessa é uma das principais justificações para o disparar destes processos nos tribunais, pelas consequências que a instabilidade económica está a ter no emprego, no consumo e no poder de compra.
Mas há outros motivos. Além de mais informadas, as pessoas sabem que, se optarem pelo caminho
da insolvência, podem começar de novo daí a cinco anos, como prevê a lei.
Recuando a 2008, o registo de falências de particulares fi cou-se por 197 no primeiro trimestre, de
acordo com dados fornecidos pelo Instituto Informador Comercial, com base nas sentenças publicadas
em Diário da República. Face a esse ano, as 2753 insolvências declaradas entre Janeiro e Março de 2012 representam uma subida exponencial de 1297%.
Mas, além do disparar de processos, há outro dado importante.
É que, em 2008, os casos de pessoas insolventes representavam apenas 23% das falências judiciais, fi cando a maior fatia para as empresas – 664 no primeiro trimestre daquele ano.
A partir de 2011, os papéis trocaramse. E, nos primeiros três meses deste ano, as insolvências de particulares já representavam 64% do total (ver texto secundário).
Esta inversão não aconteceu graças a um recuo na falência de empresas.
Aliás, também estes processos têm vindo a aumentar em Portugal, ocorrendo a um ritmo de 17 por dia
desde Janeiro (mais 46% do que em igual período de 2011). A questão é que as insolvências de pessoas singulares estão a crescer a um passo muito mais acelerado.

Norte com mais casos
José Ribeiro Gonçalves é um dos administradores de insolvência em Portugal que acompanha estes
processos. Na profi ssão desde 1994, nota que há três grandes perfi s de pessoas que são arrastadas pelas dívidas para os tribunais. “Há os gerentes de empresas, que prestam avais pelos créditos dessas sociedades e que depois são executados.
Há muitos casos associados a situações de desemprego, que causam um desequilíbrio entre as obrigações e os rendimentos. E também pessoas sem disciplina de consumo, que são seduzidas pelo crédito fácil”, disse.
Para José Ribeiro Gonçalves, a “recessão económica” foi e continua a ser o principal motor das insolvências singulares, assim como das empresas. E acredita que o número vai continuar a aumentar, até porque “há muitas pessoas e muitas sociedades que já estão insolventes há muito tempo, só ainda não se apresentaram aos tribunais”. Ontempo que demoram a tomar este passo é, muitas vezes, o sufi ciente para deixar cair por terra qualquer hipótese de recuperação.
Os dados do Instituto Informador Comercial mostram que o disparar destes processos nos tribunais tem
sido mais expressivo a norte do país.
É no Porto que mais insolvências são declaradas, tendo alcançado um total de 794 no primeiro trimestre
deste ano. Lisboa surge em segundo lugar, mas muito atrás, com 491 casos entre Janeiro e Março. No
entanto, é em Coimbra que se tem assistido a aumentos mais signifi cativos nas falências de particulares.
O distrito registou apenas 83 casos nos primeiros três meses de 2012, mas o aumento face a 2008 foi de
4050% (ver infografi a). O evoluir destes casos está em sintonia com as difi culdades fi nanceiras
que muitas famílias actualmente enfrentam
em Portugal, num ano de corte de salários e de subsídios, de aumentos de impostos e de escalada do desemprego, que subiu para 15% em Fevereiro (o terceiro pior resultado de toda a União Europeia).
Os pedidos de ajuda à Deco também refl ectem esta realidade. Entre Janeiro e Março, 7834 famílias
contactaram a associação para lidar com situações de sobreendividamento.
Tratou-se de uma subida de 57% face ao mesmo período de 2011.
Uma parte importante destas pessoas (27,8%) pediu apoio por causa da deterioração das condições laborais, seguindo-se a doença (10,9%).
A Deco faz depois um fi ltro aos pedidos de ajuda, excluindo os casos que já foram arrastados para a
insolvência ou as situações que são provocadas pelos próprios sobreendividados.
E, por isso, até Março abriu 1376 novos processos de acompanhamento – uma subida de 36% em relação ao ano passado