Teresa, Cláudia, Clémence: retalhos do desemprego galopante de Lisboa

Foi logo no início da pandemia que Teresa perdeu o emprego. Duas ou três semanas depois de identificados os primeiros casos de covid-19 em Portugal, o país a fechar-se em casa e os turistas a não vir, a empresa para a qual trabalhava há poucos meses comunicou-lhe que era preciso reduzir pessoal. Ela, que nos últimos anos se especializara em receber hóspedes em apartamentos turísticos e em garantir-lhes uma estada agradável, viu-se de repente sem rendimentos e sem subsídio de desemprego.

De então para cá, e já lá vai um ano, os meses sucedem-se num horizonte de incerteza. “A oferta de trabalho é pouca para a procura”, conclui. Tem-se candidatado a muitos empregos, já tem feito entrevistas, mas até agora sem sucesso. “Ontem fui contactada por um hostel e disseram-me que não havia ordenado base, era consoante os clientes que conseguíssemos angariar”, relata. Pelas suas contas, fazendo turnos de oito horas, não conseguiria trazer para casa mais do que 400 euros por mês.

Durante uns meses no ano passado ainda trabalhou como empregada doméstica numa casa. Já tinha alguma experiência porque sempre aproveitou as épocas baixas do alojamento local para fazer umas horas que lhe permitissem um dinheiro extra. Desentendeu-se com a patroa, teve de se vir embora. “Fui forçada a escolher entre ter com que me sustentar e a minha saúde. Não há dinheiro que pague a nossa dignidade.”

Agora, Teresa Guedes engrossa as estatísticas daqueles que perderam o emprego em 2020 e não recebem qualquer prestação social. No concelho de Lisboa, quase um quarto dos desempregados está nesta situação. “É um dado preocupante”, diz Sónia Costa, técnica do Observatório de Luta contra a Pobreza na Cidade de Lisboa (OLCPL). O valor registado no ano passado (24,2%) até é o mais baixo dos últimos cinco anos, mas isso não é necessariamente bom. Significa apenas que “há uma grande fatia de desempregados recentes e que, portanto, ainda estão no tempo para receber prestação social”. Quando ela terminar, e se o desemprego não diminuir, “a proporção vai voltar a aumentar.”

Às pessoas nestas circunstâncias resta pedir o Rendimento Social de Inserção ou procurar ajuda de instituições. Teresa está desde o mês passado a receber um apoio de 188 euros da Santa Casa e 250 euros da filha mais velha, que já trabalha. O que lhe tem valido é que a renda da casa, de 317 euros, está suspensa desde o Verão devido a um imbróglio jurídico que envolve o prédio em que mora. Suspensa, mas não perdoada. “Estamos a dever. Não sei a quem, mas estamos a dever. Quando me for exigido o valor das rendas, vou dizer simplesmente que estou desempregada”, desabafa.

Uma cidade desigual
É nas estatísticas do mercado de trabalho e das prestações sociais que o Observatório mais tem notado os efeitos da pandemia. Entre o fim de 2019 e o fim de 2020 houve um aumento de 32,1% do desemprego em Lisboa, um valor maior do que o crescimento nacional (30,2%) mas inferior ao verificado no distrito (54,7%).

Nenhuma freguesia da cidade passou incólume. Em todas houve um aumento superior a 10% no número de pessoas inscritas em centros de emprego. As campeãs foram Santa Maria Maior (63,7%), Santo António (62,7%) e Arroios (57,6%). “A cidade é muito diversa entre as suas freguesias e até mesmo dentro das freguesias há realidades distintas”, sublinha Sónia Costa. Por exemplo, a freguesia onde se registou o maior aumento do desemprego masculino foi Santa Maria Maior (86,8%) e aquela onde o feminino cresceu mais foi Carnide (55,2%). O desemprego entre estrangeiros, considerados ambos os sexos, teve o seu maior crescimento em Arroios (22,2%), mas em Santo António as mulheres foram particularmente atingidas. No fim de 2019 havia 26 desempregadas estrangeiras naquela freguesia, em 2020 eram 235.

“A minha ideia agora é diversificar as minhas actividades”, diz Clémence Félisaz, que nos últimos quatro anos trabalhou sobretudo como guia-intérprete em Alfama. Fazia visitas a pé com um máximo de oito turistas por acreditar que o bairro “não é feito para grupos de 50 pessoas”. Não dava para viver um ano inteiro, mas era a sua maior fonte de rendimentos. No ano passado, “tirando umas visitas no Verão, pouco mais”.

Depois de ter trabalhado algum tempo num bar da Graça, em Novembro ficou mesmo no desemprego. Tentou inscrever-se num centro de emprego, diz que nunca lhe responderam ao e-mail com a documentação. Não sabe se entra nas contagens oficiais. “Vou começar a dar aulas de francês. Isto ainda é capaz de piorar, é boa ideia ter outras coisas”, diz. No Verão terá de deixar o apartamento em que vive, o senhorio que voltar a pô-lo no alojamento local.

Diogo Mazeron, economista que trabalha no OLCPL, diz que não é possível dizer com certeza em que sectores se verificou o aumento do desemprego em cada freguesia, mas que se podem fazer inferências a partir dos dados concretos. E eles dizem que “o desemprego, primeiramente, é mais impactante no emprego mais precário: dos mais jovens e com menos escolaridade.”

Em Lisboa, só em Santa Clara, Alvalade e Belém é que o desemprego de pessoas até aos 25 anos não aumentou mais do que 50%. E só Marvila, Santa Clara e Parque das Nações é que registaram crescimentos inferiores a 50% no escalão etário 25-34. Há várias freguesias em que o desemprego nestes dois grupos mais do que duplicou. “Apesar de o número de desempregados com menos de 25 anos ser o mais baixo de todas as faixas etárias, foi o que teve maior aumento: dobrou entre 2019 e 2020”, resume Diogo Mazeron.

O que leva novamente à estatística sobre as prestações sociais. “Se o grupo mais afectado é o dos mais jovens, tendencialmente o período a que têm direito a subsídio de desemprego é mais curto”, alerta Sónia Costa.

“Situação preocupante”
Nos últimos tempos, Teresa Guedes tem aproveitado para fazer o chamado processo RVCC (Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências Profissionais), do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), com o qual espera conseguir um trabalho mais qualificado e bem pago.

Cláudia Figueiredo, pelo contrário, tinha até há pouco um emprego que não correspondia às suas habilitações. Antiga técnica superior de museologia num instituto público, ficou desempregada em 2012 e foi trabalhar para um restaurante. “Esta hipótese apareceu por acaso. Não tinha experiência nenhuma, disse isso logo ao patrão, mas correu bem.” Cinco anos depois, o restaurante fechou. Compreende a decisão. Se antes tinham “a casa a abarrotar” em todas as refeições, em 2020 o hábito foi “atender três pessoas ao almoço e duas ao jantar”. E isto no período em que estiveram abertos.

PÚBLICO – Aumentar
Está desde Janeiro à procura de emprego. “Tenho procurado na minha área, em museus, editoras, secretariado, a tentar lançar mão ao que aparecer”, relata Cláudia. Está com alguma esperança de que a situação de desemprego dure menos do que da última vez, em que esteve um ano e meio sem trabalhar. Mas o tempo vai passando e as folgas terminam. “Tenho-me conseguido manter à tona porque tinha uma moratória no crédito à habitação. Terminou ontem [31 de Março]. Hoje já a fui pagar.”

A equipa do Observatório está neste momento a discutir com a Câmara de Lisboa em que freguesia se vai implementar o projecto-piloto de uma estratégia de combate à pobreza. Os vereadores de todas as forças políticas foram informados deste retrato social há algumas semanas.

Ainda sem contar com os apoios do programa Lisboa Protege, lançado pela autarquia, Diogo Mazeron explica que dos 183 milhões de euros gastos pelo Estado em apoios sociais no concelho, em 2020, quase 84 milhões provieram de medidas extraordinárias criadas especificamente por causa da covid. “Isso denota uma situação preocupante, significa que houve claramente uma quebra de rendimentos das pessoas, que se não fosse o apoio do Estado a gente não consegue nem imaginar a situação em que estas pessoas estariam.”