Tempos difíceis para os portugueses mais pobres

Embora caiba à classe média a maior parte do esforço de correcção das contas públicas nos próximos anos, o sacrifício vai estender-se à camada mais carenciada da população. Nos próximos quatro anos, a população mais dependente de ajudas do Estado perderá 7% do poder de compra, graças ao congelamento das prestações sociais que o Governo anunciou na versão preliminar do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), segundo cálculos do SOL. Os especialistas admitem que a pobreza aumente, atingindo mais de dois milhões de pessoas.

O PEC prevê o congelamento de todas as prestações não contributivas até 2013. Esta medida abrange o Complemento Solidário para Idosos (CSI), que tem 243 mil beneficiários, o Rendimento Social de Inserção (RSI), pago a 385 mil pessoas, e a pensão social, atribuída a cerca de 80 mil reformados.

Em conjunto, estes três grupos constituem a franja da população mais carenciada. A pensão é atribuída a quem não fez descontos suficientes para ter direito à reforma do regime geral, tendo um valor médio de 189 euros. O RSI e o CSI são complementos mensais para a população com rendimentos mais baixos – em média são de 89 euros.

O Governo prevê que a inflação suba de forma progressiva até 2% em 2013, impondo uma perda de 7% ao poder de compra desses beneficiários. Se as prestações fossem actualizadas à inflação, um beneficiário chegaria a 2013 com mais 84 euros de rendimento anual.

O presidente da União das Misericórdias Portuguesas, Manuel Lemos, considera que «num momento difícil, tudo o que implique congelar prestações de idosos é preocupante». Embora reconheça a situação «gravíssima» da economia e a necessidade de controlar a despesa pública, Manuel Lemos antecipa que o congelamento das prestações sociais terá «necessariamente» consequências no nível de pobreza. «Como a taxa de pobreza é calculada com base no rendimento, é óbvio que vai aumentar. Com facilidade, poderá passar para 20%». Actualmente, a taxa de pobreza em Portugal é de 18% (1,9 milhões de portugueses vivem com menos de 60% do rendimento médio nacional – 414 euros por mês). Se estas previsões se confirmarem, poderá haver mais de dois milhões de pobres.

O economista Abel Mateus antevê que o congelamento das prestações sociais acarrete «graves consequências para as classes mais pobres». Carlos Pereira da Silva, docente universitário especializado em Segurança Social, acredita que dentro de três a quarto anos teremos «uma sociedade mais pobre». Muitos desempregados actuais não conseguirão regressar ao mercado de trabalho e ficarão sem rendimentos. «Aceitarão reformas antecipadas com penalizações altíssimas e, em muitos casos, com pensões inferiores ao salário mínimo», antecipa.

 Classe média paga mais

A versão preliminar do PEC contém medidas que, além das classes mais carenciadas, vão sobrecarregar a classe média. O Governo quer antecipar a entrada em vigor da reforma aos 65 anos para a Função Pública, contra os actuais 62,5. A medida estava prevista para 2015, mas pode ser antecipada para 2012 ou 2013. No regime geral, o Executivo pretende reduzir as deduções nas pensões superiores a 22.500 euros por ano (ver caixa).

O PEC propõe ainda o aumento do esforço fiscal para rendimentos superiores a 500 euros por mês, com a introdução de tectos aos benefícios fiscais – despesas de saúde, educação, PPR, habitação, etc. Para Samuel Almeida, advogado da Miranda Correia Amendoeira – que efectuou as simulações fiscais para o SOL –, «a classe média será a mais penalizada». Esta medida implicará um agravamento fiscal de 100 a 700 euros.

Está também a ser pensada uma alteração às regras do subsídio de desemprego, para promover um regresso mais rápido à vida activa.

Nas classes mais altas, os rendimentos superiores a 150 mil euros serão tributados a uma taxa extraordinária de 45%, em vigor apenas até 2013 (hoje é de 42%). Samuel Almeida estima que sejam afectados 30 mil agregados familiares com esta medida.

 Simulações

Prestações sociais: Beneficiários mais pobres terão rendimentos congelados. A inflação prevista para este ano é de 0,8% e sobe para 2% até 2013. Poder de compra cai 7% em quatro anos

Novo escalão 45%: Um solteiro com um filho que ganhe 175 mil euros por ano vai pagar mais 5.133 euros de IRS

Pensionistas: Um reformado com uma pensão de 25 mil euros e um dependente pagará mais 718 euros de impostos

Tecto benefícios: Contribuintes com rendimentos superiores a 7.250 euros terão aumento da carga fiscal entre 100 e 700 euros