Pobreza envergonhada no coração de Lisboa

São pessoas que tiveram uma vida desafogada. Sempre aqui viveram, trabalharam e o dinheiro que ganhavam garantia-lhes um sustento bom. Hoje, vivem com 150 euros de reforma e lutam por manter a dignidade. É assim que Fernando Ribeiro Rosa, presidente da Junta de Santa Maria de Belém, descreve aquele que, em sua opinião, é o maior problema da freguesia: a pobreza envergonhada, num espaço de convivência com a forte pressão turística.

Impulsionados pela descoberta de algumas das jóias patrimoniais e históricas mais importantes de Lisboa e do País, milhares de turistas invadem diariamente um dos ex-líbris da cidade e são eles que, na opinião dos comerciantes, vão salvando a economia. Embora os lisboetas mantenham a atracção por Belém nos seus passeios domingueiros, a sua opção pelos estabelecimentos locais resume-se ao consumo essencial.

O verso do cartão-de-visita da monumentalidade esconde problemas idênticos ao resto da cidade: perda e envelhecimento da população, falta de estacionamento, isolamento social. A habitação municipal é reduzida e o parque habitacional privado divide-se entre casas degradadas e vivendas que originariamente eram de habitação social para os quadros do Estado e hoje são sinónimo de qualidade de vida e riqueza.

À semelhança de outras autarquias, a acção social é uma prioridade em Belém. "Nos encontros que promovemos, as pessoas agradecem-me. E eu não sei porque o fazem", confessa o autarca, recordando que o "obrigado por tudo, sr. presidente", se tornou expressão familiar.

Como forma de intervenção social e de ocupação de tempos livres a autarquia tem suportado boa parte dos seus serviços no voluntariado. Um desses exemplos é o espaço biológico de Belém, um local de lazer aberto à população onde podem ser observados animais de capoeira. Toda a manutenção é assegurada por idosos desocupados. O serviço de voluntariado é ainda extensível à biblioteca, à informação jurídica, ao apoio a idosos, ao ensino especial e às salas de Internet, espalhadas pelas colectividades da freguesia, entre as mais de uma dezena de ofertas disponibilizadas.

A junta, como primeiro pilar administrativo do Estado, é sempre a primeira a dar a cara. Habituado aos corredores do mais alto poder do Estado – foi chefe de gabinete e assessor dos primeiros-ministros Durão Barroso e Santana Lopes -, Ribeiro Rosa defende que a acção de uma junta de freguesia em ambiente urbano é vital: "Há problemas domésticos, surgidos de repente, que deixam as pessoas desesperadas e que carecem de soluções rápidas. Para o bem e para o mal, o presidente da junta de freguesia é sempre o primeiro a chegar."

A carência de verbas, comum às autarquias, não preocupa o presidente. Com orgulho, Ribeiro Rosa recorda que ainda recentemente a junta ofereceu um automóvel à PSP de Belém, para o programa idosos em segurança, que ficou a "custo zero". O veículo, apreendido pelo Estado, estava num depósito. "Quando soube, fiz os contactos certos e pressionei tanto até nos darem o carro." Ribeiro Rosa reconhece que é um chato a reivindicar o que considera justo para a população: "Mesmo quando um assunto não é da nossa competência, mas está a influenciar negativamente a vida das pessoas, não descanso enquanto a entidade competente não o resolver."