Pandemia espalha tristeza entre pessoas com deficiência e cansaço entre cuidadores

A pandemia de covid-19 está a deixar as pessoas com deficiência mais tristes e deprimidas. “As respostas foram mais lentas do que para o resto da população”, aponta Paula Campos Pinto, coordenadora do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH). Quem cuida acusa forte cansaço, embora aliviado no desconfinamento.

Procurando perceber como a crise pandémica está a ser vivida, por duas vezes o ODDH lançou um inquérito pela Internet. Na fase do confinamento, entre 27 de Abril de 10 de Maio, responderam 725 pessoas. No desconfinamento, entre 9 e 27 de Outubro, 326. Só este último contempla o bem-estar.

A vida deu uma cambalhota quando, no dia 16 de Março, as escolas enceraram e os serviços de apoio sofreram cortes, com destaque para a redução ou suspensão das terapias e o encerramento de Centros de Actividades Ocupacionais. Começaram a reabrir, de forma gradual, a partir de 18 de Maio. Tornaram a encerrar no verão. E o início das aulas, agendado para 21 de Setembro, sofreu com dos atrasos na colocação de professores do ensino especial e de terapeutas e o arranque do transporte escolar.

Em Outubro, quando o segundo inquérito foi lançado, a grande maioria (86,2%) dos cuidadores responderam que os apoios e os serviços utilizados pela pessoa a quem prestam cuidados tinham sido retomados integralmente (41,4%) ou parcialmente (44,8%), mas 13,8% ainda não podiam dizer o mesmo. É uma amostra pequena, mas indicativa: 88 cuidadores, 83% das quais mulheres.

Na primeira fase, quando tudo estava fechado, 73,4% das cuidadoras sentiam-se “muito ou bastante cansadas” e 64% mesmo “muito ou bastante exaustas”. Com a reabertura, essas percentagens desceram, uma para 47,7% e a outra para 41,9%. Mas a ansiedade, sinalizada por 75,4% na primeira fase, pouco baixou (7,7%).

“Mantive a minha actividade profissional a partir de casa, tive que trabalhar quase todas as noites para compensar o tempo em que durante o dia estava a prestar cuidados ao meu filho”, declarou uma cuidadora de um menino de dez anos. “O meu filho tem 80% de incapacidade, pelo que necessita de vigilância constante. Fui obrigada a pedir jornada contínua e a irmã mais velha pediu para fazer os turnos da noite, e assim, entre as duas, asseguramos a vigilância. Uma ficava com ele de manhã e a outra ficava à tarde e à noite”, relatou outra, que cuidada de um rapaz de 14. “Tive de suspender a empresa para poder cuidar do meu filho e como sou sócio-gerente não me deram nenhum apoio”, queixou-se ainda outra, que cuida de um menino de sete.

Ao que se pode ler no relatório, da autoria de Paula Campos Pinto e Patrícia Neca, metade das pessoas com deficiência (51%) dizem que se têm sentido mais tristes ou deprimidas. Mais de metade 58,4% admitem estar mais ansiosas e algumas (39,3%) até têm maiores dificuldades em dormir. A maioria (67,7%) revela preocupação com um possível agravamento da sua situação económica.

Persiste avaliação negativa da escola obrigatória
Paula Campos Pinto coloca a tónica no “descontentamento com as soluções encontradas”. “A insatisfação é mais forte na fase do confinamento.”

Veja-se o exemplo da educação. No ensino obrigatório, na primeira fase, “77,9% dos inquiridos classificaram as modalidades de ensino disponibilizadas aos alunos com deficiência como nada ou pouco adequadas”. Na segunda fase, essa percepção desceu só ligeiramente: 64,7%. Contudo, no ensino superior, a avaliação, que era negativa (69,3%),inverteu-se. Passou a ser globalmente positiva (66,7%), embora ainda houvesse uma insatisfação expressiva (33,3%).

“Quando passamos subitamente para o ensino à distância, a resposta aos alunos com necessidades especiais foi ainda mais lenta do que para o resto da população”, salienta aquela especialista. Na fase de desconfinamemento, arrastou-se o desencontro entre a resposta e as necessidades destes estudantes.

Queixou-se a cuidadora de um rapaz de 14 anos: “Deixou de frequentar as poucas aulas a que ia ficando confinado na unidade de autismo, porque não consegue usar máscara”. E a de um de 12: “Já começou a trabalhar com o professor de ensino especial, mas os terapeutas ainda não estão colocados.”

Paula Campos Pinto teme que isto contribua ainda mais para o abandono escolar. Como se pode ler no relatório Pessoas com deficiência em Portugal – indicadores de direitos humanos 2020, de que este estudo sobre o impacto da pandemia é anexo, o abandono escolar tem estado a diminuir, mas em 2018 ainda estava nos 21,9%, bem acima da dos alunos sem deficiência (12,4%).

Mais exposição à discriminação
Mais de dois terços (67,4%) das pessoas inquiridas têm a impressão que a pandemia expõe mais as pessoas com deficiência a situações de discriminação. E algumas (12,3%) reportaram ter tido essa experiência.

“Uma vez que tentávamos entrar numa aula zoom e não conseguimos, alguns colegas de turma do meu filho disseram no grupo da turma do Messenger que um deficiente também não fazia falta”, queixou-se a mãe de um rapaz de 15 anos. “Se eu o estava a tentar entusiasmar às aulas às quais sempre reagiu mal e não é capaz de assistir, com essa discriminação desisti”, reconhece.

“Quando reporto a amigos, professores, ou outros, que o meu irmão de 18 anos está em isolamento desde Abril com a minha mãe, a resposta que recebo, em grande maioria, é que ele deveria ser colocado numa instituição”, comenta uma cuidadora de um rapaz. “Ora, isto é claramente o pensamento de grande parte da sociedade: os deficientes, tal como os idosos, devem ser colocados dentro de paredes. É assustador este pensamento e é pela falta de informação pública nos meios sociais que a discriminação ainda existe, que este pensamento retrógrado ainda é aceite.”