Mercado de arrendamento: “As rendas estão especuladas e têm de baixar 20% a 30%”

“Procuro apartamento T0 ou T1. Preço: 275 euros.” António Góis, trabalhador- estudante, de 41 anos, colocou o anúncio este mês à espera de uma resposta. “Por este preço ninguém liga”, diz com desalento António, cuja procura “há cerca de um ano” se estende pela Internet e páginas de j ornais. “Em Lisboa pedem valores exorbitantes. “Há T0 disponíveis com uma renda mensal de 700 e 800 euros. Isto é incomportável para o meu orçamento”, afirma o candidato a inquilino, que neste momento vive em casa de familiares enquanto tira o mestrado em Educação. “A casa mais barata que encontrei foi na Pontinha por mais de 300 euros”, explica.
Luís Lima, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal ( APEMIP), conhece este tipo de problema e sabe fazer o diagnóstico. “Há neste momento quatro vezes mais procura que oferta. O mercado de arrendamento precisa de mais 60 a 70 mil casas para arrendar”, considera o presidente da APEMIP. “As rendas estão especuladas porque os proprietários não sentem confiança na actual lei do arrendamento e a nova lei nunca mais é publicada”, afirma Luís Lima ( ver entrevista ao lado).
Nesta nova lei o prazo para despejo de inquilinos em caso de inc u m p r i m e n t o contratual será de três meses. “Isso irá trazer outra confiança aos proprietários para colocarem as casas no mercado”, considera.
Maria da Luz tem 32 anos e é educadora de infância no Porto. 

Há sete meses que procura casa. “O dinheiro que pedem é proibitivo. Sou solteira e vivo em casa dos meus pais porque não posso pagar 600 euros mensais por um T0 quando tive de entregar uma casa que estava a pagar ao banco porque pagava 400 euros mensais. Há casas mais baratas para arrendar que não têm as mínimas condições de habitabilidade. Já me chegaram a pedir 300 euros por uma casa sem condições e avisaram logo que não passavam recibo. Neste momento ganho 600 euros e vou continuar a viver com a ajuda da minha família”, afirma Maria da Luz.
Luís Menezes Leitão, da Associação Lisbonense de Proprietários ( ALP) também conhece este tipo de problema: “Cada vez há mais pessoas a entregar as casas ao banco. Estamos a assistir a uma crise dramática num mercado que não está regulado. Neste momento de emergência essas pessoas deveriam poder viver em casas arrendadas. Mas a nova lei nunca mais é publicada e os proprietários vivem no impasse. Preferem não alugar. Logo que a nova lei esteja pronta estou convencido de que os preços das rendas irão baixar, porque vai existir mais oferta”, afirma o presidente da ALP.
Beatriz Rúbio, presidente executiva da Remax, empresa líder do mercado imobiliário, concorda. “Há neste momento muita procura e pouca oferta num mercado que cresceu, na Remax, 50 por cento em relação ao ano passado.”
A presidente executiva ilustra o “apetite” do mercado com o facto de terem colocado na semana passada um prédio com vários apartamentos T0 e T1 para arrendar. “Ficámos logo com todos os apartamentos arrendados a preços que oscilam entre os 350 euros e 400 euros. Logo que saem coisas assim, esgotam”, assegura Beatriz Rúbio.
O volume de negócios da Remax neste momento é de 55 por cento de vendas e 45 de arrendamento. “Os preços estão muitos elevados mas irão estabilizar”, afirma a responsável da Remax.
Miguel Poisson, director- geral da mediadora ERA, aponta a escassez de acesso ao crédito à habitação como causa de deflexão do mercado de venda imobiliária. “O arrendamento surge como opção de recurso, embora o sonho dos portugueses passe pela compra de casa”, afirma.
Miguel Poisson estudou o tema: “Em 2007, o crédito bancário concedido era no valor de mil e 700 milhões de euros. Os últimos números do Banco de Portugal apontam para 200 milhões de euros mensais. Ficou seis vezes menor.”

“As rendas estão especuladas e têm de baixar 20% a 30%”
A crise no imobiliário arrasta- se há anos. Como se inverte a situação? O imobiliário e, em especial, a habitação estão em crise j á desde 2003/ 2004, o que acabou por ser positivo para todos nós. Fez com que não tivéssemos uma bolha imobiliária como a Irlanda e a Espanha e os preços acabaram por não sofrer uma especulação tão grande. De qualquer forma, tudo se alterou há cerca de dois anos, com a crise financeira que veio afectar todos por igual. E qual é a solução? Julguei que este seria o ano da reabilitação e do arrendamento, fundamentais para se dar a volta. Mas sem celeridade nos despejos e sem a adopção de uma taxa liberatória que diminua a carga fiscal não será possível dinamizar nem o arrendamento nem a reabilitação urbana. O investidor quer saber qual o risco do negócio e qual a rentabilidade. Eu espero que dentro de dias saia alguma coisa. Porque não podemos cometer os erros do passado. Se não há crédito para a compra de casa nova também não vai haver para as reabilitadas, por isso precisamos urgentemente da nova lei das rendas. Porque é o sucesso desta que levará, por arrasto, ao sucesso da reabilitação.
Está no seu segundo mandato à frente da APEMIP. É também vice- presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário, tendo tido uma participação activa na criação da Confederação do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa. Foi distinguido este ano com o prémio Personalidade Imobiliária do Ano. do proporciona- se, mas as rendas deviam baixar, pelo menos, nessa ordem de grandeza. Os senhorios estarão sensíveis a isso? Têm de estar. Veja a compra e venda. Houve pessoas em 2003, 2004 e 2005 que pediam tanto pelas casas que eu dizia que só as tinham à venda na cabeça deles. A parte mais forte era a oferta. Hoje o mercado mudou e é preciso não repetir os mesmos erros. A nova lei do arrendamento podia ajudar? Será necessário um ano para criar a dinâmica de mercado. Mas acredito que se a lei sair até ao fim do ano, em 2012 o arrendamento possa já abranger 25% ou 26% da população, em vez dos actuais 19,3%. E com o aumento da oferta as rendas acabarão por estabilizar. Toda a gente procura uma renda entre 350 e 450 euros. Diga- me onde é que há umt1 minimamente aceitável por esse valor. Quantas casas são precisas? Para equilibrar a oferta e a procura precisávamos de 60 a 70 mil casas. Julgo que haverá 350 mil imóveis para vender, dos quais 140 mil serão novos. Se se retirassem daí as tais 60 a 70 mil casas, resolviam- se dois problemas em simultâneo. E a taxa liberatória? Sabemos que há resistência ao nível do Ministério das Finanças. Apresentámos um estudo do impacto da medida, provando que uma taxa de 21,5% geraria receitas fiscais de 1,06 mil milhões de euros em três anos. É urgente, porque a reabilitação é a única tábua de salvação que temos para ajudar a estancar este aumento enorme do desemprego. A cada dia que passa fecham entre uma a duas empresas da construção e imobiliário e são mais cem pessoas no desemprego. Só na mediação temo que fechemos o ano com menos 20% de empresas, num universo total de três mil. E a banca tem de ser mais sensível às dificuldades e estar mais disponível para negociar planos de regularização de dívidas, quer com empresas quer com famílias. A entrega de imóveis tem vindo a aumentar, suponho que a banca não queira ficar dona de todo o património imobiliário em Portugal.