Há cada vez mais pessoas activas a viver de apoios sociais. São 578 mil.

Desemprego sobe até 10,1% da população activa, o maior valor de sempre. Salários afundam na região de Lisboa.

Os números do desemprego nacional nunca estiveram tão mal, os jovens até aos 24 anos voltam a ser altamente fustigados pela falta de trabalho, a precariedade voltou a crescer, o desemprego dura cada vez mais tempo, os salários líquidos estão a cair de forma pronunciada, sobretudo na região de Lisboa e há cada vez mais pessoas consideradas activas (empregados e desempregados) que têm nos apoios sociais a sua principal fonte de rendimento.

Apesar dos sinais de "retoma" na actividade, a crise está a agravar-se seriamente no plano social. Segundo o inquérito ao emprego divulgado ontem pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), o desemprego subiu para 10,1% da população activa (ou 563,3 mil pessoas) no quarto trimestre de 2009. Em termos anuais, o desemprego atingiu uma média de 9,5% dos activos ( 529 mil pessoas), o valor mais elevado de sempre quando se justapõem as séries disponíveis – do INE, Eurostat e Banco de Portugal – que no seu conjunto remontam ao início da década de 50 do século passado.

A crise no mercado de trabalho, com a a destruição de 144 mil postos de trabalho em 2009 (uma quebra de 2,8%), tornou evidente que há cada vez mais portugueses considerados activos (a trabalhar ou à procura de trabalho) que dependem sobretudo dos apoios sociais dados pelo Estado e não dos salários.

No último trimestre de 2009, estavam nessa situação de alta dependência face ao Estado 578 mil pessoas, mais 19% do que no mesmo período de 2008. O número é explicado pela explosão do desemprego e pelo aumento da abrangência do subsídio de desemprego normal e do subsídio social para desempregados pobres (225 mil das 563 mil pessoas sem trabalho estavam a receber apoio). Também esconde um acréscimo no número de pessoas que estando empregadas ganhavam algum tipo de pensão ou reforma (cerca de 330 mil), sendo essa a sua principal fonte de rendimento. Em contrapartida, há menos 3,4% de empregados que têm no salário o seu principal meio de sustento. Estes números não incluem os mais de dois milhões de reformados (inactivos).

Segundo explicam vários especialistas, este cenário mostra que a acção do Estado – sobretudo num país pobre face aos pares europeus, como é Portugal – decisiva em épocas de crise porque segura as pessoas no mercado de trabalho, evitando a acumulação de tensões sociais graves. Mas, adicionalmente, pressiona as contas públicas num momento historicamente difícil. "Obriga, por exemplo, a que a consolidação orçamental [redução do défice público de 9% para 3% em 2013] tenha de ser feita com muito cuidado e noutras áreas que não esta", observa Pedro Adão e Silva, politólogo.

"Nesta altura é impossível cortar na despesa social. Em termos estatísticos não há empregos a serem criados, sejam muito ou pouco qualificados. Nada. Por isso é que estas políticas são fundamentais para ajudar milhares de pessoas a atravessarem a crise. Esperemos que isto passe rápido", acrescenta.

Raymond Torres, director do centro de estudos da Organização Internacional do Trabalho, considera que a redução do défice pode conviver com generosidade nos apoios sociais. "Os programas para o emprego não são caros em termos relativos, é preciso que fique claro que a prioridade número um é sempre o emprego". Este economista, que já passou pela OCDE, defende que "politicamente é difícil de justificar um alastramento da exclusão social e os governos vão querer sempre fazer alguma coisa para combater isso". "Quanto mais tarde se agir no apoio [ao emprego e ao desemprego], maior o custo para as contas públicas, para os contribuintes."

Luís Mira Amaral, economista e banqueiro, tem uma visão bem diferente: só é possível reduzir o desemprego e a dependência das pessoas em relação ao Estado se os salários forem mais baixos e competitivos. "Portugal está mal, precisa de medidas duras. O preço a pagar é alto, mas é melhor haver mais desemprego com pessoas a ganhar zero ou haver emprego com pessoas a ganhar menos?", questiona.

Desemprego jovem: 22% Os dados ontem divulgados mostram que os jovens voltam a ser bastante penalizados pelo fenómeno do desemprego. Este problema mostrou uma tendência de normalização, e até de descida, até meados de 2008, mas desde então que o desemprego disparou entre os jovens: no final do ano passado, a taxa de desemprego nas pessoas com menos de 25 anos subiu até 22% do total, afectando cerca de 100,3 mil jovens. Em termos anuais, as séries do Eurostat e o INE revelam que desde 1986 que não havia um ano tão hostil para os trabalhadores mais novos, apesar de serem os que menos ganham.

Os salários líquidos mensais dos trabalhadores por conta de outrem também estão a ajustar por baixo, sobretudo em Lisboa, região onde prevalecem serviços, mostra o INE. O salário médio em Portugal aumentou apenas cinco euros em (0,7%) 2009, mas em Lisboa a descida chegou a 65 euros/mês o equivalente a uma quebra de quase 7%.