Governo “recua” no desvio de fundos comunitários para Lisboa

O Governo voltou atrás na intenção de usar em Lisboa parte do dinheiro dado por Bruxelas para desenvolver as regiões pobres – Norte, Centro e Alentejo -, no que foi classificado como um "recuo" por várias entidades a Norte. O JN apurou que o financiamento à inovação – concretizado através do fundo Finova – já não faz parte das áreas abrangidas pelo "spill over effect", ou efeito difusor, segundo o qual um investimento em Lisboa desenvolve a economia das regiões.

Mas restam três áreas nas quais é possível usar em Lisboa dinheiro das regiões mais pobres: a modernização da Administração Pública, a formação de funcionários do Estado e os consórcios de investigação e desenvolvimento. Até Dezembro de 2009, diz o Observatório do QREN, foram "desviados" para Lisboa 148 milhões de euros das regiões pobres, para aplicar nestas três áreas. Na inovação, os números do Programa Operacional dizem que já foram entregues 139,790 milhões de euros ao IAPMEI, que depois os coloca junto de promotores de projectos – mas nenhum deste dinheiro foi alvo do tal efeito difusor.

O recuo na área da inovação foi comunicado a Bruxelas através do manual de instruções da fiscalização do uso dado às verbas (o sistema de controlo e gestão do Programa Operacional Factores de Competitividade). Ton van Lierop, porta-voz do comissário europeu para a Política Regional, que tutela os fundos comunitários, disse que o documento "foi submetido à Comissão em 2009" – dois anos depois do arranque do QREN – e "exclui o uso do efeito "spill over" no que concerne ao Fundo de Apoio ao Financiamento à Inovação".

Apesar disso, "a Comissão sugeriu que qualquer possibilidade de equívoco remanescente seja clarificada no Anexo do Programa Operacional", adiantou.

Questionado, o Ministério da Economia disse que, "por opção nacional, a medida Fundo de Apoio ao Financiamento à Inovação deixou de integrar esse lote de medidas passíveis de ‘spill over’, tendo a Comissão Europeia dado a sua concordância". A opção "será, em breve, objecto de uma proposta de alteração à decisão da CE", sendo que "não foi utilizado qualquer montante ao abrigo deste procedimento", esclareceu.

De onde vem a excepção à regra

Por ter um grau de riqueza próximo da média comunitária, Lisboa só recebe uma pequena parte dos fundos (o mesmo acontece, mas em menor medida, com o Algarve). O nível económico do Norte, Centro e Alentejo, contudo, é ainda muito inferior à média comunitária, pelo que Bruxelas continua a entregar dinheiro para os desenvolver. Uma vez que o país não tem regiões administrativas e políticas, a verba é entregue ao Governo Central, que assume o compromisso de a investir apenas nas três regiões mais pobres.

Apesar disso, o primeiro Governo de José Sócrates negociou com Bruxelas a possibilidade de levar parte do dinheiro para a capital, dizendo que, com isso, ajudaria a desenvolver o resto do país – uma assunção negada por Rui Rio, presidente da Junta Metropolitana do Porto (JMP) que, com ironia, lembra o cada vez maior desequilíbrio entre as regiões, apesar dos fortes investimentos em Lisboa, nas últimas décadas.

Norte aprova mas diz não chegar

A decisão do Executivo, tomada há já largos meses mas não divulgada, foi reconhecida por várias das pessoas que, a Norte, têm protestado contra o efeito difusor, mas que continuam a apontar problemas (ver próxima página).

Rui Moreira fala de um "recuo" do Executivo. Para o presidente da Associação Comercial do Porto, "ou Bruxelas pressionou ou o próprio Governo receou que o jogo escuro fosse descoberto", mediante a "exposição pública da matéria. Sempre nos pareceu que havia batota", disse.

Rui Moreira acredita, também, que a decisão pode dever-se à pressão feita "junto do Governo e de Bruxelas pela JMP", cujo presidente, Rui Rio, diz ser preciso ir mais longe: "Estamos a contestar a norma nos tribunais, mas se dizem que a Justiça portuguesa é lenta, a europeia não é muito melhor", disse.