Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores: apesar do Estado tornar mais difícil o acesso, o nº de beneficiários continua a subir

O corte alastra. Com a entrada em vigor do Orçamento do Estado de 2013, mudaram as regras de acesso ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, que substitui pais incapazes de pagar as pensões dos filhos. Neste momento, quem tenta pela primeira vez aceder ao fundo espera meses. Andreia Sousa inscreveu-se em Janeiro e já lhe disseram que esperará até Setembro.
Antes da nova lei, qualquer família com rendimento igual ou inferior ao salário mínimo nacional
(485 euros) acedia a este fundo, criado em 2000. Desde Janeiro, o patamar passou a ser 419 euros.
Ainda não se sabe quantas famílias vão deixar de ter acesso ao Fundo de Garantia com esta mudança. “Já cessámos muitos [processos] com base neste novo critério de atribuição”, diz Eurídice Gomes, procuradora coordenadora do Tribunal de Família e Menores do Porto. Os tribunais avaliam os
casos uma vez por ano. “À medida que vamos avaliando, vamos retirando.”
Apesar de haver cada vez menos bebés a nascer em Portugal, o gasto público com o fundo de alimentos
tem vindo a aumentar. Em 2010, o Estado gastou mais de 23 milhões de euros. No ano seguinte, 25,4 milhões. Em 2012, 25,8 milhões. Para este ano está orçamentada uma verba de 26 milhões.
O número de beneficiários não tem parado de subir. De 2010 para 2012, o país passou de 13.294 para
17.915 crianças apoiadas — a maior parte dos casos está na Região Norte (42%). De Janeiro a Março
de 2013, os tribunais portugueses enviaram para a Segurança Social 1178 novos pedidos.
Andreia Sousa tem 33 anos, teve um fi lho aos 29 e outro aos 30. “Já passei fome. Os meus fi lhos não,
mas eu já.” É ajudante de cozinha e está desempregada há um ano.
Ganha 300,90 euros de subsídio de desemprego, paga 250 de renda de casa, uns 50 de água e electricidade. Vai ao supermercado com os 126 euros de abono. Em Agosto, quando o fi lho mais novo fi zer três anos, passará a receber apenas 84.
Compõe a despensa com um cabaz entregue pela Junta de Freguesia de Santo Ildefonso.
Baixa, muito magra, parece uma miúda. Foi a 24 de Janeiro à Segurança Social pedir socorro. Compreendeu que receberia a pensão em Fevereiro ou em Março. Em Abril, disseram-lhe que o Tribunal de Família e Menores do Porto já fi xara uma pensão de alimentos de 159 euros. Mas que teria de esperar até Setembro pela transferência do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social. “O dinheiro da pensão está a fazer tanta falta…”, suspira. O que lhe vale é que paga quase nada à instituição de cariz religioso que gere o infantário onde tem as crianças. “Já cheguei a comer uma bolacha para os ir levar e voltar para casa para me deitar, porque enquanto durmo não tenho fome.”
Tinha 26 anos quando conheceu o pai dos seus fi lhos. Divorciara-se havia pouco. Viu-o num concerto
do Mickael Carreira e achou-o “tão bonito”. Nem desconfiou que tinha 17 anos. “Não me dá interesse ir à
carteira de um homem ver a idade dele”, diz. Tiveram uma aventura.
Foi para a Alemanha, para casa de familiares, disposta a recomeçar a vida. Percebeu que estava grávida.
“Anda daí para cima, antes que o teu fi lho nasça”, disse-lhe. Só aí soube a sua idade.
Tudo aquilo era um tanto louco, mas controlável. De repente, nova gravidez. “Chorei tanto. O mais velho
era tão pequenino.” Não deixara de ter o período, não sentira enjoos, não engordara. Regressaram
a Portugal. Alugaram um quarto. Em vez de procurar trabalho, o rapaz passava horas a jogar PlayStation.
Zangas. “Isto não é vida para nós!”, gritava-lhe. Um dia, viu-o com outra.
Ele está a fazer um curso de formação. E ela à procura de uma cozinha, que lhe permita sair a horas
próprias para cuidar das crianças. “Isto é cá uma pressão. Quando acabar o subsídio de desemprego,
o que faço?”