Estado está a reduzir o seu contributo para a Segurança Social

Desde meados de 2010, o Estado reduziu em 10% a sua participação nas receitas da Segurança Social.
Esse recuo no financiamento público coincidiu com uma redução considerável do número de beneficiários de apoios sociais. Segundo o boletim estatístico do Ministério da Solidariedade, os apoios à família deixaram de ser dados a cerca de 600 mil titulares, houve 70 mil pessoas que ficaram sem rendimento social de inserção aprovada pelo Governo Sócrates. No fi nal de 2011, o peso do Estado caíra para 36% das receitas da Segurança Social. Se, por um lado, o Estado cumpria a Lei de Bases, por outro reduzia a dimensão da sua missão.
Os números da Segurança Social mostram que a opção política foi a de fazer recair sobre parte dos beneficiários da Segurança Social a cobertura das prestações que têm uma tendência de fundo para subir com o tempo — como é o caso das pensões de velhice. De 2009 a 2011, a Segurança Social pagou mais quase um milhão de euros em prestações sociais. Mas metade dessa subida foi compensada com a quebra dos gastos com o abono de família, acção
social e RSI. Mas representará essa evolução um recuo das políticas sociais? Ouvidos pelo PÚBLICO, Manuel Villaverde Cabral, professor do Instituto de Ciências Sociais, considera que o Estado social ainda não foi estruturalmente posto em causa; já Manuela Arcanjo e Carlos Farinha Rodrigues, professores do
Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), acham que houve um recuo do Estado que terá fortes
consequências no agravamento das desigualdades sociais e no aprofundamento mais acentuado dos efeitos recessivos das políticas de austeridade (ver depoimentos). Carlos Farinha Rodrigues acha mesmo que, face aos cortes feitos, “o Governo português deveria clarificar quais os objectivos que pretende alcançar no âmbito da estratégia europeia de redução da pobreza e da exclusão social” (Estratégia 2020).
Devia, mas não esclareceu. O ministro da Solidariedade, Pedro Mota Soares, que enquanto deputado centrista sempre criticou a desprotecção social, não respondeu a essa pergunta desde a semana passada, precisamente quando deu a cara por um pacote de novos cortes de apoios sociais, ou pela recente suspensão das reformas antecipadas.
E não respondeu às perguntas para este trabalho do PÚBLICO.

Prestação a prestação
A actual Lei de Bases, de 2007, começa no seu artigo 2.º por fixar que “todos têm direito à Segurança Social”. E esse carácter universal é concretizado em dois sistemas. Primeiro, no sistema de protecção
social de cidadania, que visa “garantir direitos básicos dos cidadãos e a igualdade de oportunidades, bem
como promover o bem-estar e a coesão social”. É financiado por impostos e concretiza-se na acção social, no rendimento social de inserção (RSI), pensões sociais, subsídio social de desemprego, complemento social de idosos (CSI) e, ainda, na protecção familiar. Em segundo, há o sistema previdencial, assente na solidariedade de base profissional, financiada por descontos dos trabalhadores
e das empresas, e que visa conceder rendimentos substitutivos do trabalho. Através desses descontos, são pagas as pensões por doença, maternidade, paternidade e adopção, desemprego, acidentes de trabalho e doenças profi ssionais, invalidez, velhice e morte.
Ora, nos últimos dois anos, os números são claros. A acção social sofreu um corte. Não se conhece o número de beneficiários porque o Instituto de Segurança Social — presidido pela ex- -assessora de imprensa do grupo parlamentar do CDS-PP — não respondeu ao pedido do PÚBLICO, feito há um
mês e após diversas insistências. Mas os números da Direcção-Geral do Orçamento (DGO) mostram a quebra da despesa social. Desde Novembro de 2011 que as variações homólogas têm sido negativas.
Já quanto ao CSI — uma prestação monetária cedida a quem tenha pelo menos 65 anos e fracos recursos anuais —, o ISS forneceu números.
Os seus benefi ciários têm vindo a subir. Eram 181 mil em Janeiro de 2009 e em Dezembro de 2011 passaram para 237 mil. Mas a subida de benefi ciários tem vindo a abrandar e, em Fevereiro passado, o seu número registou já uma diminuição homóloga de 0,4%. Uma evolução que segue de perto os dados da despesa. No RSI, o número dos seus benefi ciários sofreu igualmente um corte.
No início de 2011, chegou a atingir uma quebra de 20%. De 2009 a 2011, a diminuição correspondeu a um corte acumulado de 9%.
Nos abonos de família, segundo os dados ofi ciais do Ministério da Solidariedade, o universo de bene fi ciários sofreu um rombo. Desde 2009 até Fevereiro passado, correspondeu a uma quebra de 34%. Uma
quebra superior a 600 mil desde Junho de 2010. Os dados mais recentes do INE, apesar de terem a mesma fonte, mostram uma quebra menos gravosa. De um milhão em 2006 e foram subindo até 1,2 milhões até Outubro de 2010, mas caíram a pique desde então. Em Setembro passado eram 786 mil.
No sistema previdencial, a situação mais grave é a do desemprego.
Aumenta o fosso entre o desemprego e aqueles que são apoiados. Em 2006, cerca de 75% dos desempregados estimados pelo INE recebiam subsídio de desemprego e havia 113 mil desempregados sem protecção. Passados cinco anos, o grupo de desempregados apoiados reduziu para 40% e abrangeu já 464 mil pessoas. Essa tendência agravou-se desde meados de 2010. Desde essa altura até Fevereiro passado, cerca de 200 mil desempregados fi caram sem protecção social.
E estes números vão certamente agravar-se dadas as novas regras de concessão de subsídio que encurtam, drasticamente, a duração da concessão de subsídio para certos grupos de desempregados. E agravar-se-ão ainda mais caso se concretizem as pressões da Comissão Europeia para ir mais longe no corte de duração dos subsídios.
É certo que as novas regras não se aplicam aos que estão actualmente empregados nem no desemprego.
Mas resta saber até quando se terá de esperar por níveis de crescimento económico que absorvam o desemprego.
O nível de desemprego subiu na última década, fruto de um crescimento medíocre.
Já nas pensões por velhice, se continuaram a crescer a um ritmo regular, fruto do progressivo envelhecimento da população, o valor da despesa não tem subido na mesma proporção. A reforma de 2006 — que introduziu a esperança de vida no cálculo da pensão — e os cortes verifi cados nas pensões pelas medidas de austeridade deverão aumentar esse desnível.
O Governo tem passado a mensagem de que conseguiu convencer a troika a aceitar apoios para situações críticas — como casais desempregados — ou evitar a tributação em IRS das prestações sociais, prevista no memorando inicial. Mas essa vitória parece curta face à quebra geral do universo dos apoiados pelas prestações sociais.