Em três anos de crise, 136 mil perderam o rendimento social de inserção

Regras de acesso mais difíceis, novas formas de cálculo dos rendimentos e controlo mais apertado fizeram que beneficiários diminuíssem, embora carências das famílias se tenham agravado. Só num mês já foram 407 mil a receber, agora são 217 mil.
Em junho havia 271 302 portugueses a receber rendimento social de inserção ( RSI), menos 136 mil do que em março de 2010, quando esta prestação social atingiu o máximo de beneficiários mas a crise das famílias não era tão grave como hoje. Desde então, o subsídio destinado a apoiar quem vive graves carências económicas – e cujo valor máximo são 178 euros mensais – veio sempre a cair. Fruto de regras mais apertadas no acesso, de cortes no seu valor, mas também do controlo mais rigoroso. Só nas alterações do último ano, 70 mil perderam o RSI.

“É incompreensível que, com os atuais níveis de desemprego e o risco de pobreza, o acesso a esta que é a última medida de proteção social seja tornado tão difícil”, critica Francisco Branco, da direção da Associação dos Profissionais de Serviço Social. O técnico lembra que esta é uma prestação diferencial, tem em conta os rendimentos das pessoas, e um teto máximo: num casal e dois filhos são 374 euros. “Um valor irrisório nas contas de milhões da Segurança Social. E uma questão mais ideológica do que material”, lamenta.
Além de ser cada vez mais difícil aceder à prestação, o montante médio dado a cada família caiu 30% em três anos. Em 2012 era 214 euros. “É uma regressão dos direitos de cidadania. Depois sujeitam- se as pessoas a medidas assistencialistas, necessárias nos dias de hoje, mas que não constituem nenhuma solução para o futuro. E será que uma família consegue viver com dignidade com este valor?”, questiona. Francisco Branco lembra os novos públicos que procuram a Segurança Social: pessoas que sempre viveram do trabalho e agora, numa situação limite e para resolver um problema temporário, vão pedir ajuda ao Estado, recebendo deste 178 euros para viver. Isto se, por exemplo, não tiverem bens moveis ou imóveis no valor de 25 mil euros, mesmo que seja uma casa que não paguem ou da qual estejam prestes a ser despejados. Pois se assim for ficam logo excluídos.
Ana Martins, diretora da Ação Social da AMI, diz que estes novos pobres – ao contrário dos que sempre viveram do apoio do Estado – “ficam chocados quando vão pedir o RSI, algo de que sempre ouviram falar mal, e percebem que nem a isso têm direito”. Nos casos que o podem requerer, basta receberem uma pensão de alimentos, fazerem um trabalho por mais precário que seja, e receber algumas dezenas de euros, para o montante ficar reduzido a 30 ou 40 euros mensais. Depois, afirma, vêm para as instituições de “mão estendida”, pedir todos os apoios que lhes possam dar: comida, roupa, fraldas, remédios, manuais, dinheiro para pagar a luz, o gás, a água, a renda…
Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas Portuguesa, lembra que o rendimento social de inserção – na altura rendimento mínimo garantido – foi criado como uma medida de justiça social. “Infelizmente em Portugal fez- se dele arma de arremesso político. E se havia laxismo, não tinha a ver com a lei – que sempre retirou o acesso a quem não devia –, mas com a forma pouco cuidada como esta era aplicada”, diz, lamentando a forma como foi “estigmatizado” o RSI e considerando que nunca houve “muitos a viver à conta dele, pelo menos com alguma dignidade”.
Hoje, acrescenta, “assistimos ao regresso à Cáritas das pessoas que já se tinham inserido e autonomizado”, porque fizeram formação académica ou foram capacitadas para o trabalho, e agora estão desempregadas. Para apoiá- los, “as instituições, paróquias e grupos informais gastam milhões, muitos da solidariedade das pessoas. Ajudas efémeras, que vão durar até quando?”