Desemprego e austeridade estão a obrigar as famílias a cortar na poupança

As expectativas do Governo de que a dose de austeridade aplicada este ano tivesse, pelo menos, um efeito positivo – o aumento da poupança – parecem estar a sair goradas. De acordo com o novo indicador da poupança das famílias, que foi ontem lançado, a capacidade de aforro dos portugueses tem estado a cair desde meados do ano passado e, nos dois primeiros meses de 2011, intensificou a sua descida, à medida que as reduções salariais, os aumentos de impostos e os cortes nas prestações sociais foram evaporando o rendimento disponível das famílias.

O novo indicador da poupança, ontem apresentado, resulta de uma colaboração entre a Associação Portuguesa de Fundos de Investimento Pensões e Patrimónios (APFIPP) e a Universidade Católica. Partindo de vários dados estatísticos (inquéritos do INE aos consumidores, taxas Euribor, transacções de fundos mobiliários e imobiliários), o Centro de Estudos Aplicados (CEA) da Católica reconstruiu a evolução da poupança das famílias desde 2000 e vai passar a disponibilizar informação mensal. Até agora, os dados existentes, do INE, são trimestrais e publicados com um desfasamento de três meses.

Segundo as contas do CEA, a taxa de poupança das famílias rondava, em Fevereiro, os 7,4 por cento, encontrando-se abaixo da média registada na última década e, também, abaixo da média dos seus parceiros europeus. Desde Junho do ano passado, a taxa de poupança perdeu 1,3 pontos percentuais.

De acordo com Leonor Modesto, professora da Católica e directora do CEA, a taxa de poupança das famílias tem estado em "queda livre". "Actualmente estamos abaixo da média da última década, que já foi uma década de taxas baixas em Portugal", afirma a economista, em entrevista ao PÚBLICO. Para o país alinhar com a Europa, teria de voltar a registar os valores mais elevados da década, ou seja, uma poupança de nove por cento, em 2003, ano em que Portugal atravessou uma grave crise orçamental que levou a uma deterioração forte das expectativas dos consumidores.

Entre 2008 e 2009, na sequência da crise financeira e económica internacional, a taxa de poupança voltou a aumentar, mas a tendência foi interrompida com o início da crise da dívida, em meados do ano passado, que obrigou o Governo português a aplicar as primeiras medidas de austeridade.

Apesar de o Governo se ter mostrado confiante de que o processo de ajustamento orçamental em curso, ao reduzir o consumo privado, poderia também aumentar a poupança das famílias, os dados não apontam nesse sentido. No início deste ano, o indicador de poupança da APFIPP e da Católica voltou a recuar.

Para Leonor Modesto, num contexto de desemprego elevado, cortes salariais e subida de impostos, a erosão do rendimento disponível é tal que não haverá margem de manobra para as famílias pouparem. A agravar a situação, o Banco Central Europeu (BCE) já veio falar de um possível aumento das taxas de juro em Abril. Se, por um lado, isso significa remunerações mais interessantes nos depósitos e outros instrumentos financeiros de poupança, também significa custos acrescidos no crédito à habitação. Isto estrangularia ainda mais a capacidade de poupança das famílias e, com isso, o financiamento à banca (via depósitos) ou ao Estado (via certificados de aforro ou do tesouro).

Os dados do Eurostat (ver infografia) mostram que Portugal é o segundo país da zona euro onde menos se poupa. A Irlanda está pouco à frente, enquanto a Grécia fica atrás e, se alargarmos a comparação a toda a Europa, a Islândia também poupa menos que Portuga – ou seja, no fundo da lista da poupança, estão países com elevados níveis de endividamento e que lideraram a crise da dívida.