Crise levou às urgências mais jovens com depressão

Desemprego na família e emigração aumentam desesperança. Professores pedem mais formação para lidar com casos nas escolas

O número de jovens a ir às urgências de pedopsiquiatria aumentou desde o surgimento da crise económica, em 2010/2011, com os médicos a registarem casos de grande ansiedade, depressão, automutilação ou tentativas de suicídio. Situações de “grande sofrimento emocional”, refere ao DN Álvaro de Carvalho, coordenador do Programa Nacional de Saúde Mental (PNSM). Nos últimos dois anos realizaram-se formações junto dos profissionais de saúde e professores para identificarem sinais de alerta e encaminhar os casos de risco, embora os diretores das escolas peçam mais formação. Hoje assinala-se o Dia Mundial da Saúde, este ano dedicado à depressão, que em Portugal se estima afetar 8% da população.

Os jovens são um dos grupos em risco de sofrer de depressão. E a crise que afetou o país nos últimos anos causou ainda maior impacto. “Sobretudo desde a crise social e económica há um registo acrescido de recursos à urgência de pedopsiquiatria de situações de auto escarificação bem como de tentativas de suicídio”, diz ao DN Álvaro de Carvalho, coordenador do PNSM, referindo que a literatura já apontava para essa correlação da depressão com a crise.
“Os grupos infantojuvenis acabam por repercutir mais facilmente a tensão existente entre os adultos mais próximos. Seguramente que as notícias sobre o grande desemprego e o aumento da emigração de jovens adultos também aumenta o vazio e a desesperança dos mais novos. Felizmente em termos do suicídio a situação é pouco expressiva no continente (valores entre os quase 0 e os 5 por 100.000 no grupo 15-24 anos), mas muito dramático na Madeira (cerca de 10) e sobretudo nos Açores (30/100.000)”, adianta.

No terreno estão várias iniciativas para prevenção de depressão e suicídio. Como o programa “+Contigo”, da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, direcionado para a prevenção do suicídio em meio escolar, que é apoiado pelo programa nacional de saúde mental desde 2013. Estão também a desenvolver formações com o Plano de Saúde Infantil e Juvenil, nos cuidados de saúde primários, e outro com o Plano de Saúde Escolar, articulado com a Direção-Geral da Educação, “para capacitar a valorização dos sinais de sofrimento emocional em crianças e jovens, identificando mais cedo e encaminhando os casos de risco”.

Nos últimos dois anos mais de 400 professores receberam formação. “As crianças e jovens, pela imaturidade que decorre do seu processo de desenvolvimento, dependem mais do meio e da qualidade das interações com os adultos. E torna a tarefa dos cuidadores tão importante. Tal como nos cuidados básicos, os menores precisam do adulto para lhes “traduzir” e ensinar a lidar com as suas necessidades. O primeiro passo é mostrar-lhes que reconhecemos e podemos escutar e dar nome e sentido aos seus problemas”, explica Conceição Tavares de Almeida, assessora do PNSM para a Infância e Adolescência, acrescentando que a filosofia por detrás destas ações “é capacitar os diferentes atores para esta primeira escuta e cuidado. Se isto for feito, a rede funciona, porque as competências são acessíveis a cada um, mais do que possa parecer”.
Susana Santos Costa, da organização Eutimia, representante portuguesa da Aliança Europeia Contra a Depressão (EAAD), reforça: “Sabemos que todas as doenças mentais, incluindo a depressão, em 70% dos casos podem ser diagnosticadas antes do 25 anos. Na depressão, mais de 50% das pessoas que irão desenvolver um episódio depressivo, o primeiro episódio acontece na adolescência (13-25 anos). É importante preparar professores, agentes educativos e alunos para sinais de alerta e despiste precoce”.
A associação tem um projeto inovador para a área escolar, direcionado a alunos do 9.º ano e secundário, que está a ser negociado com dois municípios. “É um currículo preparado em seis módulos para o professor usar na sala de aula para preparar os jovens de forma a saberem como ter uma boa saúde mental, identificarem sinais de alerta, quais os tratamentos e para os levar a saber como, quando e onde procurar ajuda. É preciso reduzir o estigma. A depressão é uma doença do cérebro. A pessoa não tem culpa e não é uma questão de fraqueza”.

Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas, afirma “que as escolas e os professores estão cada vez mais atentos aos sinais de alerta e que os casos são referenciados aos diretores de turma, da escola e ao psicólogo escolar, que encaminha para o centro de saúde ou hospital se for grave. Mas toda a formação é bem-vinda e faria sentido tê-la. Temos pedido ao ministério formação nas áreas científicas e também nas de cidadania”.