Crise económica e social que levou a natalidade para mínimos históricos

É uma crise que se vai sentir durante décadas e que se agravou de forma preocupante nos últimos três anos, com os problemas económicos, a chegada da troika e a austeridade: a demográfica. O País tem um problema de população, ou falta dela, que desafia as previsões mais pessimistas feitas há apenas cinco ou dez anos. Em 2011, nasceram 96 mil bebés – já abaixo da barreira dos cem mil – e, depois de dois anos de enorme queda, 2013 terá fechado com cerca de 82 mil nascimentos, o número mais baixo desde que há registos. O saldo natural é negativo desde 2009, com mais pessoas a morrer do que a nascer, mas desde 2011 é agravado por um saldo migratório em défice. Ninguém previu anos consecutivos com mais de cem mil saídas, muito mais do que as entradas.
O último relatório do Observatório das Famílias e das Políticas de Família, publicado em dezembro, explica que a redução dos nascimentos “poderá traduzir o peso que a crise económica está a ter na natalidade, através de uma combinação de adiamento da parentalidade, emigração de população em idade reprodutiva e retorno dos imigrantes aos seus países”.
O que mudou desde 2011 nos apoios às famílias? O relatório nota que se manteve a tendência de cortes iniciados em 2010 no que “diz respeito à despesa do Estado com as prestações sociais que paga às famílias”. Embora a despesa da Segurança Social tenha subido, o aumento foi empurrado pelo desemprego, já que as outras prestações sociais desceram. Um exemplo: entre o final de 2011 e o final de 2013, cerca de 186 mil crianças e jovens perderam direito ao abono de família. Também o rendimento social de inserção ( RSI) passou de 448 mil para 231 mil beneficiários. Além disso, houve um corte nos montantes. O Observatório dá o exemplo de um agregado familiar composto por uma grávida, o seu companheiro e uma criança. Em 2010, esta família receberia de RSI um máximo de 416,94 euros e em 2013 recebe 320,66.
Dois exemplos de uma tendência que foi visível em quase todos os apoios económicos dados às famílias, salienta o documento, numa altura difícil. O número de pessoas apoiadas pelos Bancos Alimentares, por exemplo, passou de 341 mil para 389 mil de 2011 para 2012. No ano passado, as famílias passaram a liderar o número de insolvências, superando as empresas. A grande resposta do Governo, neste capítulo, concentrou- se no Plano de Emergência Social.
Educação e Saúde mais visados
Os dois outros pilares do Estado social, Educação e Saúde, foram as grandes vítimas dos cortes. No total, desde 2010, último orçamento pré- troika, estas duas áreas perderam três mil milhões de euros. A despesa em educação desceu 5% ao ano desde 2010. Na Saúde, o orçamento também caiu, com exceção de 2012, devido a uma injeção de verbas para pagar dívidas.
Em que se cortou? Tanto numa área como na outra, parte significativa foi na despesa com salários. Na Educação, em que dois terços da despesa no ensino básico e secundário são para pessoal, os cortes nos ordenados tiveram mais impacto.
Mas houve também uma redução no número de professores nas escolas. Apesar das muitas saídas por aposentação, o número de colocados em setembro tem vindo a diminuir: em 2011 foram contratados 12 747 professores e no ano passado apenas 5454. A racionalização de custos foi também um dos motivos que levaram ao fecho de escolas e à formação de mega- agrupamentos. Os “mega”, que facilitam a deslocação de professores, o aumento do número de alunos por turma e a reforma curricular fizeram que o sistema público precisasse de menos professores.
Na Saúde, uma das áreas mais
sensíveis, além dos cortes na despesa com pessoal – sobretudo no controlo das horas extraordinárias, mas também nos entraves à contratação, dependente de autorização das Finanças –, a tutela apostou na redução do custo dos medicamentos nas farmácias, embora aqui os utentes também tenham beneficiado.
Por outro lado, os doentes sentiram no bolso a subida das taxas moderadoras, que em janeiro de 2012 sofreram aumentos que atingiram os 163%. Um atendimento numa urgência polivalente de um hospital público passou a custar mais de 20 euros, por exemplo. O Ministério da Saúde prometeu compensar com mais isenções e o número de isentos passou de 4,3 milhões para 5,7 milhões, sobretudo devido à duplicação do número dos utentes que alegam insuficiência económica.
Os orçamentos dos hospitais também não passaram ao lado dos cortes. Para os doentes, os constrangimentos fizeram- se sentir nas dificuldades das unidades para dar resposta, por falta de camas ou de profissionais, e também nas dificuldades de acesso a medicamentos inovadores, devido às demoras nas aprovações, segundo os relatos de associações.