Os mais ricos emitem muito mais CO2 do que os mais pobres e em Portugal isso equivale a 33 vezes mais

Um relatório da organização não governamental Oxfam, tornado público há cerca de dois meses, deu conta de que os 1% mais ricos da população mundial são responsáveis pelo dobro da emissão de gases de efeito de estufa produzidos por 50% da população mais pobre. As contas – que resultam de um trabalho de investigação do Instituto do Ambiente de Estocolmo, com base em dados das emissões registadas entre 1990 a 2015 – apontavam para um aumento de 60% das emissões globais nesse período, apesar de na União Europeia terem caído então 12%.

Agora, a associação ambientalista Zero pegou no relatório “Confronting Climate Inequality in the European Union” (“Confrontando a Desigualdade Climática na União Europeia”) e nas tabelas excel da Oxfam — com a qual tem uma parceria num projeto de capacitação da população na luta contra as alterações climáticas — e constatou que, “em Portugal, os mais ricos são responsáveis por 33 vezes mais emissões que os mais pobres”. No geral, na União Europeia a redução de emissões só foi alcançada pelos europeus mais pobres, enquanto que os 10% mais ricos continuaram a aumentar as suas.

Dissecando esta “desigualdade carbónica”, a Zero verifica que o relatório da Oxfam coloca 72% da população portuguesa na metade de cidadãos mais pobres da Europa, e apenas 6% dos portugueses pertencem ao grupo dos 10% mais ricos. Estes números colocam Portugal com um peso desproporcionalmente elevado de pobres e desproporcionalmente baixo das classes média e rica na Europa.

Voltando às contas da Zero, com base nos dados da Oxfam, verifica-se que, em 2015, “os 5% mais ricos foram responsáveis por cerca de 20% das emissões (22,1 toneladas de CO2 por habitante), e os 5% mais pobres por 0,6% das emissões (0,7 toneladas CO2 por habitante)” em Portugal. Os números também indicam que cada português, independentemente da classe económico-social a que pertence, emitia menos gases de efeito de estufa do que cidadãos das mesmas classes na UE, há cinco anos, com cada cidadão português a emitir cerca de menos um terço que um cidadão da mesma classe em média na Europa. E a justificar isto, interpreta a Zero, está o facto de “os ricos serem menos ricos e os pobres mais pobres em Portugal e de o uso de energia para aquecimento e arrefecimento ser menor e existir uma elevada incorporação de energias renováveis no mix energético”.

Em termos gerais, “os 10% de cidadãos mais ricos foram responsáveis por mais de um quarto (27%) das emissões” na União Europeia, enquanto que “a metade mais pobre dos europeus reduziu as suas emissões em quase um quarto (24%), e os cidadãos com rendimentos intermédios em 13%”. Com maior poder de compra, são os mais ricos que mais viajam de avião e de carro, hábitos que representam 30-40% da sua pegada de carbono. Já os grupos de mais baixo rendimento têm a sua maior pegada de CO2 no aquecimento das casas. Mesmo assim, Portugal, a Suécia e França têm das emissões per capita mais baixas de toda a Europa.

Fazendo outras contas, para impedir que as temperaturas médias globais não subam mais do que 1,5°C, “os 10% mais ricos devem reduzir dez vezes a sua pegada carbónica até 2030, e os 1% mais ricos 30 vezes e os 50% mais pobres 50%”, o que acentua as desigualdade e “pode mesmo inviabilizar o alcance das metas climáticas na Europa, e portanto o combate à desigualdade é fulcral”, sublinha o presidente da Zero, Francisco Ferreira.

Para os ambientalistas, “o Pacto Ecológico Europeu tem de resolver esta desigualdade carbónica”. O tema estará em cima da mesa no Conselho Europeu de 10-11 de dezembro, quando os líderes europeus discutirem a proposta de redução de pelo menos 55% das emissões de gases de efeito de estufa em relação a 1990. A Zero e a Oxfam defendem que, para atingir a meta do Acordo de Paris, os cortes devem ir além de menos 65% na UE em bloco. Só assim, dizem, “a Europa contribuirá com sua parte justa das reduções globais necessárias para limitar o aquecimento global a 1,5°C”. E, em 2020, o mundo já está 1,2 graus mais quente, e os mais pobres e marginalizados são os mais atingidos.