600 euros são a meta quando se fala em medidas de austeridade e em cortes nos rendimentos

Ficam com pouco mais de 600 euros limpos de salário e demonstram que o que é tanto para o Governo é tão pouco para quem o ganha. Cortes nos salários a partir de 675 ilíquidos na função pública. Pensões e subsídios de férias e de Natal acima dos 600 euros ameaçados sempre que se fala em reduzir. São rendimentos apresentados como elevados quando se trata de ir buscar milhões para reduzir a dívida do País. Desembolsa quem ganha alguns euros a mais do que é considerado o mínimo, e tem de pagar taxas moderadoras na saúde, contas dos serviços públicos essenciais e sem acesso às tarifas sociais. Abono de família para os filhos nem pensar. O DN falou com quem fica com pouco mais de 600 euros limpos de rendimento para concluir que o que é tanto para o Governo, é pouco para quem o ganha.
Em 2014, os subsídios ficam a salvo, mas os ordenados dos funcionários públicos levam mais cortes a partir de 675 euros mensais. A sorte para milhares de pensionistas f oi o Tr i bunal Constitucional chumbar a contribuição extraordinária de solidariedade para os 600 euros por mês e esta só se aplicar a partir dos mil. Mas quem tem no recibo 629 euros ilíquidos não está isento de taxas moderadoras nos centros de saúde e hospitais. O mesmo limite, a partir do qual se deixa de receber abono de família, o valor para o agregado familiar, o que quer dizer que numa família com dois adultos basta ganhar o ordenado mínimo para não receber abono.
Quem recebe 600 e 700 euros por mês, e estamos a falar de valores líquidos, diz que é difícil pagar as contas, quanto mais poupar dinheiro ao fim do mês. A Deco dá- lhes razão e muitos são os sobre- endividados que auferem tais rendimentos, cada vez mais, assegura Natália Nunes, a jurista que coordena o Gabinete de Apoio ao Sobre- endividado ( GAS), que apoiou 29 214 consumidores, em 2013, e 42% ganhavam mais de 600 euros, sendo que 12% estavam entre os 600 e os 700 euros. As famílias ajudadas têm em média um orçamento de mil euros mensais, mas dizer se é muito ou pouco depende dos encargos assumidos.
“Se não tiverem uma prestação da casa é uma realidade, agora se têm de pagar 300 ou 400 por mês ao banco ou de renda é completamente diferente. Os rendimentos têm de ser superiores”, explica a técnica. Acrescenta que são os encargos com a habitação os que levam a maior fatia dos rendimentos, logo seguida da alimentação. E é nesta que cortam quando diminuem os rendimentos, confirma o INE: come- se menos carne, peixe e fruta.
A deterioração das condições laborais surge como uma das causas principais para o sobre–endividamento ( 34% dos sobre- endividados), logo depois do desemprego ( 35%). E continuam a crescer o número de idosos que recorre ao GAS. “Os que têm mais de 65 anos começam a ter uma pensão satisfatória, mas, por um lado, viram reduzir as reformas e, por outro, assumiram encargos com os filhos, seja porque contraíram empréstimos ou porque foram fiadores deles, ou até porque estes regressaram a casa”, diz
Natália Nunes.
“Entre os dias 10 e 15 estou a zeros”
Tiago Lopes, 30 anos, é técnico de gestão da EGEAC ( empresa municipal de Lisboa encarregada da animação cultural), mas recebe como operador de bilheteira, o seu primeiro emprego no município vai fazer dez anos. Não há autorização para colocar mais um funcionário nas funções que ocupa e as carreiras estão congeladas desde 2012, bem como os salários. Ele, em contrapartida, evoluiu: tirou uma licenciatura e um mestrado em Psicologia do Trabalho, pago pelos pais com um empréstimo que pediram ao banco.
Tiago Lopes tem um ordenado base ilíquidos de 830 euros mensais. Depois de deduzidos os impostos, a segurança social, a aplicação da sobretaxa de 3,5% de 2013 e um corte de 3,6% do OE ( menos 50 euros mensais), fica com 709 euros, mais 103 euros de subsídio de alimentação que gasta nas compras para o lar, não chega. Paga a renda de casa num bairro típico de Lisboa ( 450 euros), água, luz e gás e transportes, despesas que partilha com a companheira, que tem o mesmo rendimento mensal. Tiram 40 euros cada um para uma poupança, “para uma emergência”.
“Pago as contas e fico com 136 euros para o mês todo. Se lhe disser que estou a zeros entre os dias 10 e 25 [ quando recebe]…” Os 136 euros têm de dar para o comer que leva para casa, extras e para a música. É músico e toca por prazer. O que recebe não lhe dá para pagar mais contas e já teve de pedir cabos emprestados a colegas de ofício, algo que custa menos de dez euros, mas que não podia pagar. O carro está praticamente parado, salvo quando o casal vai até à Costa da Caparica. As férias vão ser em casa de familiares. Mas recusa- se a emigrar: “Preciso do sol, da vista, do mar, desta cultura de Lisboa. O meu objetivo nunca foi ganhar dinheiro, mas ter uma vida confortável.” E a que espera juntar três filhos.