Salários em atraso disparam no ano passado e atingem 28,4 milhões de euros

Atrasar o pagamento dos salários aos trabalhadores ou reter os descontos para a Segurança Social parece ser
cada vez mais a solução encontrada pelas empresas para fazer face à crise ou a difi culdades pontuais de tesouraria. No ano passado, a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) detectou 16.092 trabalhadores com salários em atraso – mais 3800 do que em 2009 – no valor de 28,4 milhões de euros. Trata-se do montante
mais elevado dos últimos quatro anos e representa um aumento de 85 por cento face aos 15,3 milhões de euros
apurados em 2009. De acordo com o relatório de actividades da ACT a que o PÚBLICO teve acesso, em média cada trabalhador tinha a receber 1766 euros. Esta verba, segundo o inspector-geral do trabalho,
José Luís Forte, acabou por ser devolvida graças à acção da ACT.
Mais de metade da dívida apurada dizia respeito ao salário base (14,8 milhões de euros) e ao subsídio de Natal
(6,8 milhões). Mas os inspectores detectaram também falta de pagamento de subsídio de férias, de férias não
gozadas, além de outros créditos. O não pagamento da retribuição aos trabalhadores ocorreu sobretudo
nas empresas de prestação de serviços, na indústria hoteleira, no comércio a retalho e na construção civil.
Mas os expedientes detectados pelos inspectores em 2010 não se ficaram por aqui. Às dívidas para com
os trabalhadores há ainda que somar 7,9 milhões de euros que não entraram nos cofres da Segurança Social,
porque as empresas não fi zeram os respectivos descontos ou tinham os trabalhadores subdeclarados. Também aqui houve um aumento inédito de 84,5 por cento face ao ano anterior.
O comércio a retalho era o sector que acumulava mais dívidas à Previdência, seguido dos serviços prestados
às empresas e da indústria hoteleira. O número inédito de trabalhadores afectados por remunerações em atraso
ou que simplesmente não estavam a receber salário e dos montantes em falta pode ter várias explicações. Desde logo, está relacionado com o aumento das visitas feitas pelos inspectores às empresas e das queixas dos trabalhadores e dos sindicatos que chegam à ACT. Mas a crise é a grande responsável por esta situação, como destacou ao PÚBLICO José Luís Forte. “Há claramente uma conjugação da melhoria da efi cácia da acção da ACT com a crise”, destacou.
 
Mais regularizações
A acção da ACT saldou-se também por um aumento do número de trabalhadores não declarados ou com
contratos ilegais, que acabaram por ver a sua situação regularizada. No ano passado, uma das prioridades
dos inspectores foi o combate a estes expedientes que “contribuem para a segmentação social” e fomentam
“a concorrência desleal”. Sinal disso é o facto de o número de empresas acompanhadas pela ACT ter passado
de 5362 em 2009 para 17.462 no ano passado.
Isto levou a que mais de 10.700 trabalhadores vissem a sua situação regularizada, quase o dobro do ano anterior. A maioria dos que viram os seus contratos normalizados estava com contrato a termo ilegal (8314)
ou não estava declarado ao Fisco nem à Segurança Social (1724). Mas os inspectores alertam também que continuam a ter “uma dimensão considerável” práticas como o recurso à prestação de serviços para situações
que confi guram uma verdadeira relação de trabalho (436 situações regularizados), assim como a utilização
de trabalho temporário fora dos condicionalismos legais (232).
 
Participações crime caem
Durante o ano passado diminuíram as participações crime feitas ao Ministério Público. Os inspectores do Trabalho detectaram indícios de práticas criminais em 33 empresas, um número muito inferior às 113 apuradas
em 2009. Das participações feitas em 2010, 31 dizem respeito a empresas que encerraram de um dia para o outro, duas referem-se a outros actos proibidos e uma estava relacionada com a paralisação total ou parcial da empresa por decisão unilateral do patrão – o chamado lock-out, que é totalmente proibido em Portugal.