Mais de 200 mil pessoas já desistiram de procurar emprego em Portugal

Não é raro ouvir-se empresários dizer que têm lugares disponíveis e não encontram trabalhadores para os ocupar. Mas o contrário também é verdade. Há cada vez mais pessoas – sobretudo mulheres – a desistir de procurar emprego e que passam para a situação de inactividade. Umas porque, embora estejam disponíveis
para trabalhar, já não procuram um emprego. Outras porque simplesmente acham que não têm lugar no mercado de trabalho, devido às suas baixas qualifi cações ou à idade. Se estas 204 mil pessoas contassem
para as estatísticas, o número de desempregados disparava dos 689 mil para os 892 mil. E a taxa de desemprego, que, no primeiro trimestre de 2011, atingiu o nível histórico de 12,4 por cento, estaria nos 15,5 por cento.
Nas estatísticas divulgadas na semana passada, o Instituto Nacional de Estatística (INE) deu conta de 144 mil
pessoas disponíveis para trabalhar, mas que não fi zerem quaisquer diligências para encontrar um emprego
antes do inquérito (são os chamados “inactivos disponíveis”). A estes somam- se 60 mil inactivos que perderam
qualquer esperança de voltar a entrar no mercado de trabalho, porque consideram que são demasiado
velhos, não têm instrução sufi ciente ou acham que simplesmente não vale a pena procurar (os “inactivos desencorajados”). Estes dados não podem ser comparados com os trimestres anteriores, uma vez que o INE passou a usar uma nova metodologia, mas, em 2009 e 2010, a tendência tem sido para um aumento, embora irregular, dos inactivos nesta situação.
Aos inactivos disponíveis e desencorajados, há ainda que juntar 174 mil pessoas que dizem trabalhar menos horas do que gostariam, o que as deixa numa situação de subemprego.
Com a economia em recessão e com as empresas a retrair-se na criação de postos de trabalho, este cenário
parece ter terreno fértil para se desenvolver.
O mesmo acontece com o desemprego de longa duração. Desde o início do ano passado, mais de metade
dos desempregados estão afastados do mercado de trabalho há já um ano e, entre estes, a maior fatia está desempregada há dois ou mais anos. Para agravar as coisas, a permanência prolongada no desemprego afecta sobretudo os que têm baixas qualifi cações e mais de 45 anos, dificultando o seu regresso ao mercado.
 
O impacto da troika
O crescente desemprego de longa duração, aliado ao facto de 54 por cento dos desempregados não terem qualquer tipo de protecção social, é especialmente preocupante quando se lêem as propostas do memorando
de entendimento assinado entre o Governo e a troika. O documento prevê uma redução signifi cativa do
valor e da duração do subsídio de desemprego, embora facilite o acesso à prestação, com o objectivo de fomentar a empregabilidade e combater o desemprego de longa duração. Mas, para Bagão Félix, antigo ministro das Finanças do Governo PSD/ CDS, o memorando é pouco sensível aos problemas e coloca os trabalhadores mais velhos numa situação kafkiana. “Pessoas com mais de 45 anos difi cilmente vão reentrar no mercado de trabalho, vão ter uma redução da indemnização em caso de despedimento e uma redução do valor do subsídio de desemprego”, resume.
Para Augusto Mateus, a raiz do desemprego reside em problemas conjunturais – a economia em recessão
gera menos emprego – e estruturais, como a perda de competitividade das empresas, a perda de efi ciência do
Estado e as baixas qualifi cações da população desempregada. “Temos um problema estrutural de competitividade e de empregabilidade e temos um fenómeno conjuntural que é o mais fácil de lidar”, sustenta.
 
Taxa natural mais alta
Mas, afi nal, quando é que o desemprego começará a baixar? É de esperar que, passada esta recessão, Portugal volte a ter taxas de desemprego relativamente baixas?
A julgar por uma análise publicada no Relatório Anual do Banco de Portugal (BdP), difi cilmente a taxa
de desemprego voltará aos níveis anteriores à recessão. A instituição conclui que “as duas recessões mais
recentes caracterizam-se pelo não retorno das taxas de desemprego aos níveis pré-recessão”.
De acordo com o BdP, na última década, o aumento da taxa de desemprego tem refl ectido também a evolução
das características estruturais da economia portuguesa, “traduzidos na tendência ascendente da taxa natural
de desemprego” e que, de acordo com os cálculos do BdP, já está próxima dos 9 por cento, muito acima dos
níveis de quatro a cinco por cento do início dos anos 2000.
Bagão Félix, antigo ministro ouvido pelo PÚBLICO, diz que há razões estruturais – como o desajustamento entre a formação dos trabalhadores e as necessidades do mercado de trabalho ou o incentivo à permanência das pessoas no mercado de trabalho, por via do aumento da idade da reforma – que farão com que “a taxa natural de desemprego tenda a subir”.
O antigo ministro também duvida que a fórmula clássica, que diz que só com taxas de crescimento acima dos
dois por cento a economia começa a criar empregos, tenha “aderência com a realidade”. “Com a terciarização
da economia, temos cada vez mais sectores onde o aumento da produção de riqueza se faz mais por via do aumento da produtividade do que pela criação de emprego”, justifi ca. Ainda assim, acredita que, em 2014, e graças às exportações, será possível inverter a tendência de crescimento do desemprego.
Também Augusto Mateus, economista, realça que, passada a recessão, apenas “uma parte do emprego” será
recuperada. “Os 100 mil postos de trabalho que se perderam no têxtil, por exemplo, não serão recuperáveis.
Isso só acontecerá se mudarmos as empresas e se houver incentivos à sua reconversão e modernização”,
recomenda. Mas, mesmo assim, os trabalhadores dos sectores mais tradicionais, que trabalharam 20 ou 30
anos na mesma empresa e que perderam o emprego, difi cilmente voltarão a trabalhar.