Há 67 milhões de crianças no mundo sem ir à escola

Escolas, alunos e professores tornaram-se um “ alvo legítimo” nos conflitos contemporâneos, denuncia a UNESCO, agência das Nações Unidas para a educação, ciência e cultura, num relatório sobre o estado do ensino mundial, ontem divulgado.

Do Afeganistão à República Democrática do Congo ( RDCongo), do Iémen à Faixa de Gaza e ao Paquistão, têm aumentado os homicídios de professores e estudantes, a destruição de escolas, muitas delas já de si infra-estruturas improvisadas, e o rapto de menores para serem utilizados como soldados ou mão-de-obra dos diferentes grupos a operarem nesses países.

Só na RDCongo, um terço de todas as violações envolve crianças e 13% destes menores não tem ainda dez anos.

A agência da ONU contabiliza em perto de 28 milhões o número de crianças “ privadas de acesso à educação devido a conflitos armados”. Um exemplo flagrante do modo como os conflitos armados se reflectem na vida de estudantes e professores, é dado pelos confrontos entre os islamitas do Hamas, que controlam a Faixa de Gaza desde 2007, e o exército israelita. O relatório recenseia a morte de 350 crianças palestinianas em resultado de operações militares israelitas em 2008 e 2009. Outros 1815 menores foram feridos e danificadas 280 escolas.

Neste caso, a dimensão das baixas revela outro dado trágico no modo como as crianças são utilizadas nos conflitos: o Hamas recorre a centros operacionais e logísticos situados nas proximidades de escolas.

Outro palco de um conflito armado, o Afeganistão, viu crescer de 2008 para 2009 o número de ataques a escolas, que passaram de 347 no primeiro ano para 613 no segundo, lê-se no relatório.

Fenómeno distinto, mas importante factor de perturbação no acesso ao ensino, especialmente para o sexo feminino, são as agressões de extremistas hindus e muçulmanos a raparigas estudantes, em especial na Índia, Paquistão e Bangladesh. Muitas destas raparigas acabam desfiguradas ou mutiladas. O relatório da UNESCO revela que, só no Paquistão, sucederam centenas de casos desta natureza em 2009; num só destes ataques, ficaram feridas 95 jovens.

Intitulado A Crise Escondida: Os Conflitos Armados e a Educação, o documento nota ter sido no Paquistão que foi recenseada uma das mais altas taxas de absentismo escolar: 49% das crianças entre os sete e os 16 anos nas famílias mais pobres nunca frequentaram qualquer estabelecimento de ensino; em paralelo, o número de raparigas é superior ao dos rapazes neste grupo assim como o carácter da sua incidência geográfica – o absentismo é superior nas zonas rurais. Em média, uma criança a viver no campo tem menos 21% de probabilidades de frequentar uma escola. Nas cidades, esta média é de apenas 5%.

Continente marcado por longos conflitos é em África que sucedem também frequentes ataques a escolas; aqui, o objectivo é obter recrutas à força, no caso dos rapazes, ou de mão-de-obra para tarefas domésticas e de transporte, para as raparigas.

O Sudão, o Chade, a República Centro-Africano e a RDCongo são, actualmente, os países em que ocorrem as maiores violações ao direito dos jovens ao ensino. Além destes casos, também a Birmânia se destaca no recrutamento de soldados-crianças, quer entre as facções da guerrilha quer entre as forças armadas do regime militar.

Baseado em números dos últimos dez, quinze anos, o trabalho da UNESCO estabelece que 35 países vivem ou viveram situações de conflito interno ou regional, muitos deles a prolongarem-se por mais de 12 anos. E quanto mais baixo é o nível de rendimento, mais prolongado é o conflito.

A pobreza recorrente na generalidade destes países impede o acesso ao ensino da maioria dos seus jovens ( menos de 25 anos) que, em muitos casos, representa 60% das respectivas populações. Facto reforçado pela perpetuação da violência num ciclo vicioso em que, como se escreve no relatório, “ 21 dos países mais pobres [ no mundo] gastam mais na área militar do que na educação”.

Há, todavia, uma região que sobressai pelo aspecto positivo no documento da UNESCO: a América Latina. Aqui, os programas de alfabetização de adultos estão de facto a contribuir para a erradicação da iliteracia.