Precisam-se casas novas… e baratas

O mercado da habitação está a entrar numa fase “perigosa”. Os portugueses querem comprar, mas a oferta disponível tem preços que não podem pagar.
Cerca de 80% das casas já se vendem em menos de seis meses. Mais de 55% das vendas realizadas em dezembro de 2017 tinham preços até 175 mil euros. 74% dos imóveis colocados no arrendamento são ocupados em menos de três meses. Entre 300 a 500 euros é o valor das rendas em 50% dos arrendamentos. Estes são alguns dos dados mais recentes – de dezembro de 2017 – que mostram “a situação perigosa” para onde caminha o mercado de habitação nacional. “Estamos a chegar a um ponto em que as famílias [portuguesas] se deparam com o fenómeno nem-nem: nem conseguem comprar, nem conseguem arrendar, tais são os valores que se apresentam no mercado”, diz o presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), Luís Lima. Ou seja, “estão a ficar cada vez mais pessoas fora do mercado e reféns da sua casa. Querem trocar de casa, mas não conseguem encontrar preços acessíveis”, nota ao Expresso o diretor-geral da Century 21 em Portugal, Ricardo Sousa.

De facto, os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgados a semana passada revelam que os preços estão a subir em todas as freguesias do Porto e de Lisboa e também nas periferias da capital, como Loures, Odivelas ou Amadora, com um T1 a poder chegar aos €150 mil ou mais, um T2 a mais de €300 mil ou mesmo um T3 a €800 mil. E isto sem contar com os preços que se praticam no centro da capital, como no Chiado ou Avenida da Liberdade, onde não há casas a menos de €6000 por m2. Contas feitas, um T1 não ficaria a menos de €300 mil.

Mas, segundo o Barómetro mensal da APEMIP divulgado esta semana, cerca de 55,6% das vendas realizadas em dezembro de 2017 foi de casas até €175 mil. E na Century 21, por exemplo, “o valor médio de transação está nos €145 mil”, repara Ricardo Sousa. Ou seja, estes valores mostram claramente que os maiores compradores são ainda os portugueses. “O que move o mercado não é a procura de imóveis de luxo com preços altos, seja por parte de estrangeiros ou de portugueses. O que move o mercado é a procura da casa como bem de primeira necessidade, para habitação própria para viver. Sem isto não há mercado”, comenta ainda Ricardo Sousa.

Nas rendas verifica-se o mesmo “desequilíbrio” entre oferta, procura e preços, repara Luís Lima. Por exemplo, no portal Imovirtual, que agrega anúncios de várias mediadoras e particulares em todo o país, nas casas para arrendar em Lisboa pedem-se €14 por m2, o que significa que uma casa de 50 m2 – que é a dimensão média de um T1 – terá uma renda de €700 por mês. Mas há muitos outros exemplos de apartamentos, alguns deles com não muito mais que 50 m2, pelos quais se pedem mais de mil euros. Uma situação que não é exclusiva de Lisboa.

Em Cascais, por exemplo, uma casa da mesma dimensão terá uma renda média de €650 por mês. Só em Loures, e também no Porto, é que a renda passa pouco dos €400, o valor que procura a maior parte dos interessados em arrendar, mas aquele que tem sido mais difícil de encontrar. “Entre €300 e €500 é o intervalo de preços mais procurado pelas famílias para ativos T1 e T2, tipologias que também reúnem o grosso da procura. No entanto, é cada vez mais difícil encontrar casas a estes preços e grande parte dos jovens e famílias acabam por aceitar arrendar por valores que ultrapassam a sua taxa de esforço”, repara o presidente da APEMIP.

MAIS CASAS E MAIS BARATAS
O cenário do imobiliário nacional é, portanto, caracterizado por uma elevada procura de casas a preços acessíveis, tanto para comprar como para arrendar, mas como há falta de oferta deste género e não se têm feito muitos projetos nesse sentido, os preços dispararam. De facto, a maior parte das casas que têm entrado no mercado nos últimos anos são resultado de reabilitações nas zonas mais nobres da cidade com preços destinados principalmente a estrangeiros e quase proibitivos para os portugueses. Mas para as mediadoras e consultoras imobiliárias não são esses projetos que são mais necessários.

“O regresso à construção nova começa a ser inevitável. Caso contrário, os problemas habitacionais acentuar-se-ão ainda mais”, nota o presidente da APEMIP. E as vantagens de o fazer vão muito além de resolver o problema da falta de oferta acessível para a procura. “Ao construirmos novo as famílias encontrarão ativos à medida das suas possibilidades, as imobiliárias terão mais produto para comercializar e suprir as necessidades dos seus clientes, a banca garantirá dividendos por via do financiamento e do crédito à habitação, as construtoras criarão mais emprego e o próprio mercado imobiliário aliviará os preços e de dará resposta às necessidades habitacionais”, adianta.

PROMOTORES ATENTOS, 
MAS PEDEM INCENTIVOS
A Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII) diz ao Expresso que os seus associados já estão atentos a esta necessidade e até a preparar projectos nesse sentido. “Colocando mais oferta no mercado e a preços acessíveis à classe média ajudará a estabilizar a subida do valor dos imóveis. Se quisermos ser sustentáveis a longo prazo devemos criar um mercado em equilíbrio que seja atractivo para os estrangeiros mas também acessível aos portugueses”, diz fonte da associação.

Mas admite que são precisos apoios, tal como existem para a reabilitação urbana. “É muito importante começar a incentivar – com benefícios fiscais e demais factores de descriminação positiva – a construção nova, a par do que se faz com a reabilitação urbana, sendo crucial estimular a construção fora dos centros urbanos e aquela que se destina à classe média e aos jovens”, repara a mesma fonte.

Luís Lima concorda. Para o representante dos mediadores, não podem ser os promotores, investidores e proprietários dos imóveis a assumir o papel de garantir habitação a preços acessíveis. Até porque, neste momento, os prédios para reabilitar e os terrenos para construção nova estão a ser vendidos a preços cada vez mais altos, fazendo com que o produto final tenha de ser também vendido mais caro. “Como negócio que é tem que garantir lucro a quem o promove e se no panorama atual os proprietários não vêem condições no mercado que lhes compense apostar nele, é natural que dirijam os seus ativos para outros mercados”, remata.