Portugal. Os 10% mais pobres ainda ganham nove vezes menos que os 10% mais ricos

Todos os indicadores que medem as desigualdades económicas dos portugueses diminuíram no ano passado. Isso significa que o espaço que separa os mais ricos dos mais pobres é agora ligeiramente menor. Mas ainda assim é grande: os 10% de portugueses mais pobres ainda ganham 8,9 vezes menos do que os 10% mais ricos.

“O coeficiente de Gini, que sintetiza num único valor a assimetria da distribuição do rendimento, desceu de 33,5% para 32,6% e o indicador que mede a distância dos rendimentos entre os 20% mais ‘ricos’ e os 20% mais ‘pobres’ diminuiu de 5,7 para 5,3”, aponta Carlos Farinha Rodrigues, professor do ISEG e especialista em desigualdades económicas e pobreza, na sua análise das estatísticas publicadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e agora atualizadas no site “Portugal Desigual”, desenvolvido pela FFMS (Fundação Francisco Manuel dos Santos) e lançado em 2016, numa parceria com o Expresso e a SIC.

A queda significativa da desigualdade económica no último ano é para Frederico Cantante, investigador do Observatório das Desigualdades, o aspeto mais relevante destes indicadores revelados pelo INE na semana passada. “Depois do pico de 2013, as várias medidas de desigualdade de rendimento disponível têm vindo a diminuir desde 2014. Mas essa tendência acentuou-se entre 2016 e 2017. Ou seja, o ritmo de redução da desigualdade acelerou”, aponta.

O PONTO MAIS BAIXO DESDE 2003
Para o investigador, há três razões fundamentais que podem explicar essa melhoria. “A redução muito significativa do desemprego, o aumento também considerável do salário mínimo nacional e os aumentos que foram introduzidos nesta legislatura num conjunto de prestações sociais.”

Mas o facto de os 10% mais ricos ainda ganharem quase nove vezes mais que os 10% mais pobres prova um nível ainda elevado de desigualdade. Ou seja, ainda que todos estes indicadores tenham chegado ao ponto mais baixo desde 2003, quando esta série estatística teve início, Portugal continua a estar entre os países com maiores níveis de desigualdade na Europa.

“Durante alguns anos, Portugal foi o país europeu em que a proporção do rendimento disponível auferido pelos 10% do topo era mais elevada. Isto deve-se essencialmente ao facto de uma parte significativa da população empregada auferir salários muito baixos, mas também se deve aos salários modestos auferidos pela generalidade dos trabalhadores”, explica Frederico Cantante.

“No contexto nacional, o salário médio dos 10% do topo é relativamente elevado, mas o hiato entre esse valor e o salário médio ou mediano está longe de ser abissal. Esta conclusão aplica-se também à análise da distribuição do rendimento no seu conjunto. As grandes desigualdades definem-se no topo do topo da distribuição dos recursos económicos.”

O QUE FALTA FAZER?
Na opinião do membro do Observatório das Desigualdades, é uma prioridade investir na qualificação da população. “Além de ser um fator de atraso, as desigualdades educativas e qualificacionais são fortes indutoras de desigualdade económica. O facto de cerca de metade da população empregada não ter ido além do 9.º ano tem impactos diretos na distribuição dos salários.”

O aumento “sustentado e ponderado” do salário mínimo é visto pelo investigador do Observatório das Desigualdade como positivo. E quanto às políticas sociais, o mais prioritário, defende, é olhar para a população desempregada que viu aumentar o seu risco de pobreza, estando sobretudo em causa o “desemprego desprotegido”.

“Este pode resultar da permanência no desemprego durante períodos prolongados, mas também de carreiras contributivas insuficientes para se aceder ao subsídio de desemprego. Diria que a primeira questão afeta particularmente populações com mais idade, enquanto a segunda coloca-se principalmente em relação aos mais jovens e está relacionada com a precariedade laboral”, afirma Frederico Cantante.

Também Carlos Farinha Rodrigues sublinha a necessidade de olhar para o aumento da pobreza da população desempregada. “Apesar de a população desempregada estar a diminuir, a proporção de pobres aumentou. É preciso encontrar alternativas na inserção destas pessoas na sociedade.” Quem está dentro destes números são sobretudo os desempregados que já esgotaram os mecanismos de apoio, pelo que a solução não passa necessariamente por um aumento do subsídio, como refere Farinha Rodrigues. “Estas são pessoas que estão numa situação de extrema fragilidade.”

Mas não só. Em contraciclo com a melhoria destes indicadores ficou o aumento da taxa de pobreza da população idosa, passando de 17% para 17,7%, que exige uma especial atenção. E apesar de a taxa de risco de pobreza ter descido em 2017 para 17,3% e ter tocado no valor mais baixo desde 1995, Portugal continua a ser um dos países mais pobres da Europa.

“Os novos indicadores não nos podem fazer esquecer que, no nosso país, permanecem em situação de pobreza mais de 1,7 milhões de cidadãos, e que uma parte significativa destes são crianças e jovens”, defende o Farinha Rodrigues. “Se alguma lição podemos tirar dos números agora conhecidos é o de que as políticas públicas e a sociedade no seu conjunto ainda têm um longo caminho a percorrer para construirmos uma sociedade mais coesa, socialmente mais justa, com menos pobreza e menos desigualdade.”