Lei de Bases da Habitação: projeto de lei do PS silencia esquerda e atrai direita

Novo texto apresentado pelo PS é visto por PSD e CDS como “menos radical” e mais próximo daquilo que defendem. À esquerda, elogia-se liquidação de empréstimos pela entrega dos imóveis. Aprovação da Lei de Bases da Habitação pode reunir consenso.
Se na Lei de Bases da Saúde está a ser difícil reunir consenso, a tarefa parece estar mais facilitada no que toca à lei que vai definir a base das políticas de Habitação. O PS está confiante de que é possível chegar a acordo com os restantes partidos e há margem para manobras tanto à direita como à esquerda.
“Ainda há muito diálogo pela frente e há claras diferenças de perspetiva ideológica sobre a habitação, mas [os elogios do PSD ao projeto do PS] são um bom sinal”, disse ao Jornal Económico o vice-presidente da bancada socialista João Paulo Correia, após o PSD ter afirmado que o novo texto do PS para a Lei de Bases da Habitação é menos radical e mais próximo daquilo que defendem.

Além do projeto de lei do PS, estão em cima da mesa outros dois: um do PCP e outro do BE. Apesar das diferenças, as três iniciativas legislativas confluem em linhas essenciais. Já o PSD e CDS-PP optaram por não avançar com nenhum projeto de iniciativa própria e apresentar um conjunto de propostas de alteração ao texto do PS, que consideram ser “o mais sensato”. No entanto, os dois partidos da direita concordam que as alterações do PS ao projeto inicial permitem um bom ponto de partida.
A afastar a direita do projeto do PS está, entre outras coisas, divergências sobre a quem cabe assegurar o direito à habitação consagrado na Constituição. Onde se lê que o “Estado é o principal garante do direito à habitação”, o PSD e CDS-PP propõem retirar a palavra “principal”. Isto porque, consideram que o Estado deve garantir o direito à habitação e “não devem ser os privados a resolver o problema social do Estado”.

O mesmo é defendido pelos partidos da esquerda. O PCP considera que “o Estado deverá ter sempre um papel único e determinante na resolução da questão da habitação”, ao passo que o BE defende a criação de um Serviço Nacional de Habitação, através do qual o Estado promova e garanta “o acesso à habitação a todos os cidadãos”.

Ainda à direita, o CDS-PP rejeita o conceito de função social, que os socialistas definem como “o uso efetivo para fins habitacionais de imóveis ou frações com vocação habitacional”, detidos por entidades públicas ou privadas, que participam na “prossecução do objetivo nacional de garantir a todos o direito a uma habitação condigna”. Os democratas-cristãos eliminam este artigo do texto do PS e sugerem um “levantamento exaustivo ao respetivo património imobiliário com aptidão para uso habitacional”, com o objetivo de promover o uso efetivo de habitações públicas devolutas “através de programas e incentivos existentes ou criar para o efeito”.

Já à esquerda, o PCP e BE defendem que a revisão, apresentada no final de abril, ao projeto inicial do PS veio enfraquecer a iniciativa. A afastar o projeto do PS das iniciativas dos partidos que o sustentam no Parlamento está a questão das casas devolutas. O PS deixou cair a requisição temporária e forçada de habitações “injustificadamente devolutas ou abandonadas” para inserir no projeto de lei a responsabilidade do Estado em incentivar “o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade privada”, o que enfureceu os partidos mais à esquerda. Tanto o PCP como o BE defendem que a utilização do parque habitacional devoluto fique sujeito à posse administrativa do Estado, seja ele público ou privado. Ainda assim, todos os partidos concordam com a aplicação de sanções, definidas por lei, em caso de abandono ou degradação injustificada dos imóveis.
Conquistar uns e outros

Se a alteração do PS à requisição de imóveis devolutos conquista a direita, o novo texto alicia também os partidos mais à esquerda. O PS admite agora a possibilidade de as famílias poderem entregar a casa ao banco e, desta forma, liquidar automaticamente o empréstimo bancário contraído para a sua aquisição, tal como defendem os comunistas e bloquistas. No entanto, acrescenta à medida um “se”, que é a necessidade de tal ser “contratualmente estabelecido” com as instituições bancárias.

Em negociação vão estar também os despejos e a garantia de subsídios de renda para os mais fragilizados. O PS quer que os devedores de crédito que se encontrem em “situação económica muito difícil” tenham acesso a um “regime legal de proteção, que incluia a possibilidade de reestruturação da dívida ou medidas substitutivas da execução hipotecária” e defende que deve ser definida a proteção e acompanhamento das famílias em caso de despejo. No entanto, a esquerda nota que a referência aos despejos forçados desapareceu da nova versão do PS.

O PS e PSD querem consagrar ainda na lei a possibilidade de as famílias poderem arrendar legalmente quartos a jovens, utilizando para isso “instrumentos de informação, promoção, apoio público e fiscais mais adequados, com vista à sustentabilidade das soluções habitacionais, quer do lado da procura, quer do lado da oferta”. O CDS-PP, BE e PCP aprovam a medida desde que seja o Estado a regular e fiscalizar este mercado, bem como a promover programas habitacionais para o arrendamento.

As propostas vão começar a ser discutidas esta sexta-feira, prevendo-se que esta lei de bases (que é a primeira a ser criada em matéria de habitação) possa ser aprovada até ao final do mês.