FUTURO DO TRABALHO AS PESSOAS

Tendências Economistas antecipam que a estagnação salarial que já se verificou nas últimas décadas vai persistir. Inteligência artificial e automação são parte do problema. Trabalhadores têm de apostar na formação ao longo da vida para garantir empregabilidade

Não vamos ganhar mais nem trabalhar menos

Confuso com a catadupa de notícias aparentemente contraditórias sobre o efeito da automação no emprego? Não é para menos. Os estudos sobre o impacto da robotização e da inteligência artificial (IA) multiplicam-se e há conclusões para todos os gostos. Na verdade, não é líquido se teremos um aumento ou diminuição de postos de trabalho fruto da revolução tecnológica, mas há uma em que os especialistas concordam: os empregos do futuro serão muito diferentes dos atuais. E não, não iremos ganhar mais nem trabalhar menos.
Vamos por partes. Nas contas do Fórum Económico Mundial, a automação colocará em risco 75 milhões de trabalhadores até 2022, mas criará 133 milhões de empregos até 2030. A consultora McKinsey estima que até ao final da próxima década, entre 75 milhões e 375 milhões de profissionais em todo o mundo terão de mudar de carreira devido aos impactos da automação. Mas, em sentido contrário, uma investigação agora divulgada pela consultora americana ZipRecruiter garante que, no ano passado, a inteligência artificial até criou três vezes mais oportunidades de trabalho do que as que eliminou. Parece esquizofrenia matemática, mas é fruto da incerteza que envolve os reais impactos da inovação tecnológica no emprego. Estes estudos medem horizontes temporais diferentes, em pressupostos metodológicos diversos, e consideram níveis de desenvolvimento tecnológico também diferentes. É talvez por isso que os especialistas ouvidos pelo Expresso não arriscam fazer contas sobre criação versus destruição de emprego.

CLASSE MÉDIA É A MAIS PENALIZADA

O que sabemos é que até agora, e isso é consensual, foram os profissionais com tarefas mais rotineiras a sentir os impactos negativos da robotização. O resultado foi uma polarização do emprego. Ou seja, crescimento do emprego e salários nas ocupações com maior complexidade — em regra, mais bem remuneradas (como dirigentes empresariais e especialistas) — e nas ocupações com baixo grau de complexidade, mas onde a possibilidade de automação é reduzida e predominam os baixos salários. Por exemplo, os cuidados a idosos e a hotelaria e restauração. Ao mesmo tempo assistimos, neste primeiro estágio de desenvolvimento da IA, a um esvaziamento das ocupações de complexidade e rendimento médios.

Vai ser sempre assim? As opiniões divergem. João Cerejeira, professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, considera que esta tendência de polarização do emprego vai prosseguir. Mas, Georgious Petropoulos, economista e investigador do Bruegel, alerta que “estamos a entrar numa nova era da IA, onde as aplicações da tecnologia têm que ver com trabalho cognitivo e já não com tarefas rotineiras”. Como resultado, “pode afetar os trabalhadores altamente qualificados com salários mais elevados”. Caso se confirme este cenário, a assimetria salarial entre trabalhadores mais e menos qualificados pode diminuir.

Certo é que “os salários não aumentam em termos reais há muito tempo e quaisquer que sejam as forças estruturais que estão a refreá-los, diria que vão persistir”, defende David Card, professor da Universidade da Califórnia, Berkeley (EUA). Como resultado, poderemos assistir a um reforço da fatia do rendimento que é apropriado pelo capital versus a que fica para os trabalhadores.

A discussão em torno do fraco crescimento dos salários, apesar da forte descida do desemprego desde a crise, tem centrado a atenção dos economistas. A integração da China e de outros países asiáticos com baixos salários na economia mundial, a par da automação que permite a diminuição dos custos de produção das empresas são dois fatores que podem explicar a estagnação das remunerações no mundo ocidental. Em Portugal, por exemplo, entre 2007 e 2017, o salário médio dos trabalhadores por conta de outrem nas empresas só aumentou 4,3% em termos reais.

Quando antecipam o futuro, os economistas dão como certa uma realocação do trabalho humano para outro tipo de funções e tarefas. O que significa que haverá trabalhadores a perder o emprego a favor das máquinas e a ter que se requalificarem para conseguir voltar ao mercado. E que mesmo os que não vejam os seu emprego ameaçado, terão de abraçar a aprendizagem ao longo da vida como uma forma de estar no mundo laboral se não quiserem tornar-se obsoletos.

“Isto é muito importante porque estamos a falar de mudanças muito rápidas. As novas tecnologias avançam a alta velocidade e as pessoas têm de se adaptar em tempo real”, explica Georgious Petropoulos. Um cenário que leva João Cerejeira a defender “o papel determinante das políticas sociais e de formação”. A dois níveis: “Primeiro, para promover a integração no mercado de trabalho das pessoas que ficam para trás, e, segundo, para reconverter os trabalhadores que encostam ao grupo das baixas remunerações.” Em Portugal isto é particularmente relevante porque “a formação para os ativos que estão empregados ainda não é adequada”, diz. Acresce que, “os trabalhadores mais velhos e menos qualificados deverão enfrentar as maiores dificuldades”, frisa David Card. E em solo nacional quase metade dos trabalhadores nas empresas continua a possuir apenas qualificações ao nível do ensino básico.

ESTADO SERÁ DECISIVO

O Estado terá um papel central no apoio à formação e requalificação dos trabalhadores. No estudo “Digitalisation and European Welfare States”, Petropoulos e Scott Marcus, também economista e investigador do Bruegel, antecipam que a fatia de profissionais em modelos de emprego não-tradicionais (que não trabalham por conta de outrem a tempo completo e com contratos permanentes) vai reforçar-se. Em Portugal isto já é uma realidade: 18,6% dos trabalhadores por conta de outrem têm contratos a termo e mais de 16% do total da população empregada são trabalhadores por conta própria. O que tem implicações no investimento que as empresas fazem na formação. No caso de relações laborais mais precárias e de menor duração, os trabalhadores têm menos acesso a formação financiada pelas empresas.

Mas a automação e IA não são as únicas forças a moldar o emprego no futuro. David Card acredita que “o envelhecimento muito rápido da força de trabalho nos países europeus, terá maiores implicações do que a tecnologia”. E considera até que “é a coisa mais importante que vai acontecer nos próximos 20 anos”. E remata com um alerta: “Se tivermos outra grande recessão, nada do que temos estado a falar importará. Iria reverter 20 anos de progressos.”