Quando os cidadãos se unem para mudar os seus bairros

Movimentos de cidadãos crescem na cidade. Muitos são grupos de moradores do mesmo bairro e lutam contra abate de árvores, por jardins ou pela preservação do património

Protestar contra a demolição de um prédio histórico, evitar abate de árvores ou lutar pela construção de um jardim em vez de um parque de estacionamento. São algumas das lutas de lisboetas contra as decisões políticas na cidade. Às vezes têm sorte, outras nem por isso, reconhecem, mas a vida dos movimentos cívicos é mesmo assim, feita de vitórias e de derrotas.

Um dos movimentos cívicos de Lisboa mais antigos e ativos é o Fórum Cidadania Lisboa, embora o seu fundador ressalve que não têm conseguido “lá grande coisa”. “Sem internet esta militância pela cidade não seria possível”, acrescenta Paulo Ferrero, um dos fundadores da página que quer “defender o património e a mobilidade dos lisboetas”.

Apesar de nem todas as causas serem ganhas, o grupo tem “boa experiência no que toca à mobilização das pessoas”. “Temos salvado umas quantas coisas. Temos dado origem a várias ramificações, como o círculo das lojas de carácter e tradição de Lisboa, a plataforma em defesa das árvores, temos abraçado uma série de causas”, resume Paulo Ferrero.
Pelo caminho, que já tem 14 anos, inspiraram outros grupos a lutarem pelas suas causas. E a cidade foi ganhando vozes de cidadãos que se fazem ouvir pelos problemas nos seus quintais e que vão, por isso, conquistando adeptos. “Os movimentos dedicam-se a um tema específico”, explica o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, daí captarem muitas vezes a energia neces- sária para levar a sua posição avante e atraem a atenção dos partidos. “A relação entre partidos e movimentos tem sido sempre complicada. Há uma certa tentativa de os partidos aproveitarem a energia dos movimentos e os movimentos a quererem manter a sua independência”, aponta o sociólogo fundador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES–UC), também ele um participante ativo de vários movimentos cívicos.

O principal problema é a incerteza da eficácia destes grupos. “Depende muito, em alguns casos são bastante eficazes, salvam um cinema, jardins, noutros casos são menos. Depende muito da relação entre os poderes constituídos, entre a democracia representativa e democracia participativa”, analisa Boaventura de Sousa Santos.

Um caso de sucesso foi sem dúvida a luta do Movimento pelo Jardim do Caracol da Penha que se focou unicamente na defesa de um jardim, num espaço que a autarquia tinha destinado a um parque de estacionamento. Mais de 200 pessoas estiveram logo na apresentação do projeto que começou por ser uma ideia de um conjunto de vizinhos de Arroios e da Penha de França. “O objetivo era combater o projeto existente da criação de um parque de estacionamento” e acabaram por levar a proposta de um jardim cujo formato, equipamentos e usos foram decididos pelos cidadãos ao Orçamento Participativo de Lisboa. Resultado: ganharam e foram o projeto mais votado de sempre (9477 votos).

Lançaram a discussão por um jardim e acabaram a discutir “os bairros à volta do terreno do jardim”, sublinha Rita Cruz, uma das mentoras do movimento. “Acredito que há algo que possa vir a surgir, há espaço para que venham a surgir mobilizações futuras. As causas vão surgir com a discussão, com a vida do bairro”, acrescenta.

Rita acredita que o sucesso desta iniciativa ficou a dever-se a “uma pressão social e uma dimensão de discussão que torna inevitável uma tomada de decisão por parte dos representantes”. Neste caso, a câmara teve de recuar num projeto que já estava aprovado.

Menos sorte tiveram algumas das iniciativas levadas a cabo pelos Vizinhos do Areeiro, movimento informal fundado em junho do ano passado. Das vitórias fazem parte a remoção das cabines da PT que estavam desativadas, replantação de árvores ou substituição de colunas de iluminação. Em aberto continuam pedidos como esconder os cabos de comunicações das fachadas dos prédios ou o alargamento das curvas no bairro do Arco do Cego. Uma outra vitória pode ser o facto de já terem “réplicas do mesmo modelo de cidadania local noutras freguesias e bairros vizinhos”, indica Rui Martins, um dos fundadores.

Nesse modelo, os Vizinhos das Avenidas Novas recentemente lançaram a petição para impedir a demolição da vivenda onde funcionava o restaurante La Gondola, na Praça de Espanha. A petição tem neste momento pouco mais de 2100 assinaturas, mas o destino do restaurante parece já estar traçado, uma vez que fez parte de um acordo entre a câmara e o Montepio Geral para a construção da sua nova sede.