“Não uso a expressão habitação social. Uma casa é uma casa”

Balkrishna Doshi é indiano e tem 90 anos, quase 91, e venceu aquele que é chamado o Nobel da Arquitetura. Destacado pelo seu trabalho com os mais desfavorecidos, é considerado um homem simples e discreto e foi isso mesmo que mostrou em conversa telefónica com o Expresso. A sua filosofia de vida é a mesma que aplica nos projetos que faz: a arquitetura deve servir a comunidade e as pessoas e fazê-las felizes e não ser um negócio. E pelo caminho deve ter alguma arte, neste caso, uma arquitetura de linhas direitas e simétricas, sem qualquer exuberância, mas muito marcadas e distintivas.

O que significa para si receber este prémio?
Para mim é o reconhecimento do trabalho de uma vida e é a primeira vez que um arquiteto indiano recebe o prémio. Isso é muito importante.

Já vem tarde ou não ambicionava receber este ou qualquer outro prémio?
Foi uma surpresa muito agradável e memorável. Nunca pensei ser reconhecido pelo trabalho que estava a fazer.

Porquê?
É melhor fazer o trabalho sem estar à espera de se receber um prémio do que fazer um trabalho na expectativa de ser reconhecido.

O júri do Pritzker considerou-o um arquiteto muito discreto e também preocupado com as pessoas e com o ambiente. De que forma é que a arquitetura deve servir as pessoas e as cidades?
Quando olho para pessoas de outras classes, que não têm onde viver, que comer ou que vestir, não as vejo como sendo diferentes de mim. Não há separação entre eu e elas. E depois penso como seria se fossemos nós a estar naquela situação, sem ninguém para tomar conta de nós. Por isso, quando faço um projeto para elas é como se estivesse a desenhar para mim e para a minha família, e por isso dou-lhes o melhor possível, como se fosse uma oferta minha para eles.

Essa filosofia já influenciou outros?
Se não definirmos tanto as coisas e se deixarmos de pensar em nós o mundo seria muito melhor e a qualidade do nosso trabalho também, porque seria tudo para nós, nós como um todo.

Uma parte importante do seu trabalho tem sido para os mais desfavorecidos e, por isso, o jornal “The Guardian” considerou-o o “campeão da habitação social”. Revê-se nisto?
Não me sinto um campeão. Apenas penso que, se uma pessoa tem competências para melhorar as condições de vida das pessoas mais desfavorecidas, deve fazê-lo. E deve fazê-lo como se estivesse a trabalhar para si próprio. Não posso empenhar-me mais quando é para mim. É por isso que cobro muito pouco dinheiro e que vivo uma vida frugal e não me queixo. Não trabalho por dinheiro, o trabalho em si é a recompensa, porque devemos fazer o que gostamos.

A habitação social tem de ter dignidade?
Não uso a palavra habitação social. Uma casa é uma casa.

A arquitetura está preparada para ver a sociedade como você a vê?
Não. A maior parte vê a arquitetura como um negócio, uma transação, e eu não a vejo como uma transação, mas sim como uma oportunidade para descobrir e aprender.

Fica triste com isso?
Acho que não devemos dar conselhos e que as pessoas devem pensar por si e, neste caso, que o meu trabalho deve falar por mim.

Tem projetos fora da Índia?
Não. São todos na Índia. Já tive possibilidades de fazer noutros sítios mas não quis. Vou aos EUA dar palestras a alunos há mais de 20 anos e nunca tive a pretensão de fazer lá uma grande obra. Vou lá, dou a aula e volto para casa e para os meus projetos, estou feliz assim.

Trabalhou com Le Corbusier. Qual foi o maior ensinamento que ele lhe passou?
Trabalhei com ele em Paris e aqui na Índia, e quando ele veio cá ficou muito agradado de ver pessoas que não tinham nada mas que eram felizes. E foi essa grande riqueza que existe na Índia que aprendi com ele. Aprendi a apreciar mais o meu país. Ele foi mais do que um professor ou do que um patrão para mim, foi um guru.

Agora que ganhou este prémio vai mudar alguma coisa?
Acho que vai trazer mais atenção aos trabalhos que fiz e, a prazo, isso vai ter impacto porque pode ajudar as pessoas e os