Quem assim viveu, nunca morre. Obrigado por tudo Paulo. E até sempre.

 

 

Paulo Santos

Hoje vimos partir um irmão. Um irmão de causas, de trabalho conjunto e de espírito – os irmãos que interessam de facto. Parte dessa família – a verdadeira – que vamos construindo ao longo da vida.

Conheci o Paulo Santos em Setembro de 1994 – há mais de 20 anos. Com ele fiz o meu primeiro estudo sociológico a sério, enfrentei as primeiras plateias, e aprendi que estar calado, ou contar até dez antes de falar, é muitas vezes o mais sábio caminho.

 

O Paulo era o mais silencioso dos amigos. Capaz de uma coisa verdadeiramente admirável: ainda que estivesse a arder por dentro, por fora era a serenidade em pessoa. Mas sem nunca deixar de fazer ouvir a sua voz e, quando necessário, de forma estridente. Um dos mais serenos dos guerreiros que conheci.

Durante alguns anos estivemos um pouco afastados. Eu continuava na Rede Europeia Anti-Pobreza / Portugal e ele envolvido em projectos de desenvolvimento local nos mais complicados territórios, acreditando – sempre! – que os pobre são os últimos culpados pela sua situação. Acreditando para além dos limites. Acreditando tanto que, como é infelizmente vulgar acontecer, se viu traído pelos pulhas dos costume que não hesitam em nome dos pobres se promover e enriquecer, enfrentando ele próprio (e outros como ele) uma das situações de maior injustiça que conheci neste país.

Mas nada disso o demoveu ou fez deixar de acreditar. Desde 2009 voltámos a trabalhar juntos. Desta feita num projecto arriscado, sempre ameaçado pelos que têm medo da verdade: o Observatório de luta contra a Pobreza na cidade de Lisboa. Ainda que, como sempre, silencioso, tímido e escondido na sombra, era ele o verdadeiro espírito e motor desta iniciativa. Sempre afirmando as suas ideias e convicções, lutando por elas de forma tenaz mas generosa, como incansável formiga, ajudou, de forma definitiva, à concretização deste “projecto” – para o qual a participação mais recente da Catarina Cruz (desde 2011), muito contribuiu, num espírito de equipa, amizade e de esforço conjunto admirável.

De muitas outras coisas poderíamos falar para sublinhar, acima de tudo, a generosidade do Paulo – uma das qualidades mais admiráveis e cada vez mais raras no ser humano. Mencionámos apenas mais estas porque nos impressionam e nos servem de exemplo quotidianamente: mesmo enfrentando as maiores dificuldades financeiras – na sequência de actos cometidos por terceiros e que levariam facilmente à loucura o mais sensato e pacato dos cidadãos – , ou infortúnios da vida, como a doença grave de familiares muito próximos, foi capaz de continuar a querer ajudar o mundo a ser um pouquinho melhor. Partiu para a Guiné numa missão de cooperação, onde trabalhou afincadamente e com o mais elevado empenho, sem quase ter recebido um tostão, vítima de mais um grupo de vigaristas da casta do costume. E, mais recentemente, envolveu-se na criação de uma associação – Slow Movement Portugal – de forma apaixonada e, como sempre, totalmente voluntária, defendendo uma visão do mundo a que só por ironia dos horríveis tempos que vivemos se pode chamar “alternativa”.

Claro que para tudo isto contribuiu a sua super-mulher, a Raquel, outra pessoa cuja coragem e vontade de viver nos impressiona, inspira e motiva e a quem queremos expressar a nossa solidariedade e vontade de ajudar no que for preciso – como sempre!

E é por tudo isto que escrevemos este texto e o partilhamos aqui para todos aqueles que, de forma directa ou indirecta, se cruzaram no caminho do Paulo. Porque, obviamente, estamos tristes. Mas, ao mesmo tempo, e até paradoxalmente, estamos felizes. Muito felizes. Felizes por ter podido conhecer-te e partilhar contigo alguns quilómetros desta longa estrada, Paulinho. Quem assim viveu, nunca morre. Obrigado por tudo. E até sempre.

Sérgio Aires – Director do Observatório de luta contra a Pobreza na cidade de Lisboa