Dados específicos sobre vínculos laborais no turismo não há. Mas sociólogos reconhecem a precarização e a escassa regulação. 

Dados específicos sobre vínculos laborais no turismo não há. Mas sociólogos reconhecem a precarização e a escassa regulação. “Pior do que alguém receber 450 euros é não saber se é descartado no mês seguinte”, diz Sérgio Aires, especialista em pobreza.

Cerca de 10% dos trabalhadores em Portugal são pobres, mostram os dados mais recentes divulgados no fim do mês pelo Instituto Nacional de Estatística. Apesar do indicador ter melhorado, isto “é um problema endémico”, analisa o sociólogo que ocupou durante duas décadas cargos importantes em organizações como a Rede Europeia Antipobreza. “Porque as pessoas, independentemente dos rendimentos, não conseguem sair da linha da pobreza.”

A par disso, somos também o terceiro país da União Europeia em que a contratação temporária é mais comum: cerca de 22%, para uma média da União Europeia (UE) de 14%, segundo um estudo do Observatório das Desigualdades. E 85% dos trabalhadores têm vínculos laborais temporários e gostariam de ter um contrato permanente (a média da UE é de 62%). Porém, houve uma subida dos contratos sem termo, afirma Renato Carmo, sociólogo e coordenador do Observatório das Desigualdades: “Não sabemos a amplitude e sustentabilidade da subida, e não podemos dizer que há uma inversão da precarização, mas estamos a viver um momento de incógnita, vai depender das dinâmicas do sector e das políticas.”

Embora não existam dados específicos sobre vínculos contratuais no turismo — segundo o Turismo de Portugal há 336 mil trabalhadores nesta área —, Renato Carmo lembra que este é um sector “que, pela sua natureza, tem características de precariedade”: “É muitas vezes sazonal, pouco regulado e com um défice de representatividade sindical.”

Sérgio Aires levanta outra questão, a indefinição. A sua experiência permite-lhe constatar a precariedade num sector onde a “mão-de-obra está sujeita a uma concorrência forte” e por isso “torna-se fácil tratar as pessoas de forma mais precária”: “A qualificação da mão-de-obra não é muito exigente na restauração, nas lojas. Mas pior do que receber 450 ou 500 euros é não saber se no mês seguinte pode ser descartado”, analisa. Segundo dados do Turismo de Portugal, só 11,3% dos trabalhadores neste sector (alojamento, restauração e hotelaria) têm uma licenciatura. Mais de 60% dos trabalhadores neste sector têm o 3.º ciclo.

A isso acresce a natureza dos serviços e funções atribuídas aos trabalhadores, em que lhes é pedido para desempenhar várias tarefas, “tudo e mais alguma coisa”, podendo ser deslocados para outro local. “Nada que a lei não permita, mas demonstra pouco respeito pela vida das pessoas. A minha preocupação é que isto está a acontecer a uma população jovem, a iniciar a vida, mas sem estabilidade para contratualizar vínculos, como alugar uma casa. E acontece sobretudo nas duas cidades onde há os maiores problemas de habitação: é uma bombinha em termos geracionais.” Como se muda? “Veja-se a dificuldade em aceitar que o salário mínimo fique acima do limiar de pobreza. Enquanto isto acontecer, a precariedade laboral não se resolve”, afirma.

Já Maria das Dores Gomes, coordenadora da Federação dos Sindicatos de Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, está preocupada com os trabalhadores da restauração que agora se aposentam – além de receberem salários baixos, estiveram durante muitos anos sem descontar a totalidade do ordenado e agora deparam-se com parcas reformas. “Hoje as coisas estão melhores, há um controle, mas antigamente muita gente recebia parte do salário por fora.”

A socióloga Sónia Costa, do Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, lembra: “Temos estado preocupados com o impacto do turismo na habitação mas se calhar temos que colocar a questão sobre as condições em que as pessoas acedem a este mercado de trabalho.”